IP “não quer perder sequer um euro” de fundos europeus para obras na ferrovia
14/04/2023 06:17 - Sapo Eco

Portugal luta contra o tempo para não deixar escapar o comboio dos fundos europeus para que as obras nas linhas ferroviárias não fiquem por fazer. A Infraestruturas de Portugal (IP) tem até ao final de 2024 para acabar as obras já em curso no caminho-de-ferro e até ao final deste ano para lançar os projetos […]

IP “não quer perder sequer um euro” de fundos europeus para obras na ferrovia

Portugal luta contra o tempo para não deixar escapar o comboio dos fundos europeus para que as obras nas linhas ferroviárias não fiquem por fazer. A Infraestruturas de Portugal (IP) tem até ao final de 2024 para acabar as obras já em curso no caminho-de-ferro e até ao final deste ano para lançar os projetos das empreitadas que serão feitas até ao final de 2030. Os trabalhos que não embarcarem neste comboio só voltarão a ter financiamento na próxima década.

Uma das nossas grandes preocupações é que o país não perca um euro que seja de fundos comunitários. Asseguro-vos que isso está a ser tratado“, assumiu o vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, em entrevista ao ECO e ao Público. As preocupações da IP estão centradas em dois programas de investimentos: o Ferrovia 2020, focado no transporte de mercadorias, e o Programa Nacional de Investimentos 2030 (PNI2030), com mais objetivos para os passageiros.

Com um orçamento de dois mil milhões de euros, o Ferrovia 2020 foi apresentado em fevereiro de 2016. Mas ao fim de sete anos ainda só tem concluídas 15% das obras.O calendário inicial não foi demasiado otimista ou ambicioso. Foi um tiro ao lado. Nós não tínhamos a informação que deveríamos para produzir um calendário daqueles”, alega o administrador. Em fevereiro de 2016, Carlos Fernandes era adjunto do então ministro das Infraestruturas e do Planeamento, Pedro Marques.

O Ferrovia 2020 foi uma herança do Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas 2015-2020 (PETI3+), apresentado em agosto de 2015 pelo Executivo então liderado por Pedro Passos Coelho, depois de dois anos de consulta pública. “O Orçamento do Estado [para 2016] sai relativamente atrasado e o novo Governo [já com António Costa] redenomina o PETI3+, na área ferroviária, como Ferrovia 2020, mantendo-se praticamente alterado — e outra coisa não poderia acontecer”, defende-se. De entre as 15 empreitadas programadas, apenas três tinham projetos elaborados: a eletrificação do Covilhã-Guarda (Beira Baixa), a eletrificação do Nine-Valença (Minho) e a reabilitação do troço Alfarelos-Pampilhosa (Norte).

Obras como a eletrificação da Linha do Oeste entre Meleças e Caldas da Rainha e da Linha do Douro entre Caíde e Marco de Canaveses e daí até à Régua “nem sequer tinham concurso para contratação de projetos”. Segundo Carlos Fernandes, “no dia seguinte à apresentação daquele calendário, alguns dos projetos estavam quatro anos atrasados“. Para o gestor, “o grande objetivo do programa deveria ser a concretização das obras até ao final de 2023”, para não perder acesso a instrumentos como o Connecting Europe Facility (CEF).

O CEF acabou por ser prolongado até ao final de 2024, por conta dos efeitos da guerra na Ucrânia, que complicaram a compra de aço.

Mesmo assim, há várias obras que apenas vão ficar prontas em 2024 e outras que já serão executadas pelos fundos comunitários para 2027, como a eletrificação do troço Marco de Canaveses-Régua. Além dos atrasos, em muitos dos troços as obras apenas permitirão ganhos mínimos no tempo de viagem, obtidos pelo fim de passagens de nível e pela adoção de comboios elétricos, com maior aceleração.

O plano de investimentos era ajustado às capacidades financeiras do país. Nós tínhamos um plano que custava 2.000 milhões de euros e que tinha um conjunto de objetivos. Um plano diferente não custaria esse valor. Seria, com certeza, bastante mais. Se nós estivéssemos a falar em alterações de traçados que obrigassem a túneis e viadutos, tudo isso atiraria para valores completamente diferentes”, justifica Carlos Fernandes. “Se reabríssemos tudo, as obras não seriam feitas neste quadro comunitário e íamos perder 1.000 milhões de fundos”, acrescenta.

Atualmente há 1,3 mil milhões de euros em investimento a ser executado no Ferrovia 2020. “O mercado já não está a reagir a isto e já não há meios em Portugal”, lamenta Carlos Fernandes. “Já temos uma equipa da América do Sul para nos ajudar a fazer os 500 quilómetros de colocação de catenária”, exemplifica.

A renovação da Linha da Beira Alta está a revelar-se uma das obras mais complicadas para a IP. Considerada como um dos principais canais para as exportações e importações das mercadorias em Portugal, foi encerrada para obras de modernização a 19 de abril de 2022. Na altura, a IP estimou que o troço Pampilhosa-Guarda, com 160 quilómetros, iria reabrir em janeiro de 2023. Oito meses depois, a gestora das linhas de comboio comunicou aos operadores que a ligação só voltará a funcionar em 12 de novembro.

O vice-presidente da IP reforça o compromisso com a data, mas assume que houve mais problemas na transição para 2023. “Durante as chuvas de dezembro e de janeiro, tínhamos a via toda desmontada. A chuva que caiu rebentou com muito do trabalho que tinha sido feito. Atrasou-nos um bocadinho”, detalha. Segundo Carlos Fernandes, a renovação da Beira Alta “é uma obra de relojoaria”, o que implica “um rácio de trabalhadores por milhão de investimento muito superior ao de uma obra nova”.

A única linha totalmente nova no Ferrovia 2020 é o troço Évora-Elvas, de 90 quilómetros. Carlos Fernandes garante que a obra estará pronta até ao final do primeiro semestre de 2024, registando-se um atraso de três meses sobre o mais recente planeamento da IP – segundo a apresentação do Ferrovia 2020, os trabalhos estariam prontos no final de 2019. A culpa é da demora na entrega do último subtroço (Alandroal-Elvas), responsabilidade da empresa espanhola Sacyr.

Na Linha do Douro já está assinado – mas ainda não foi publicado em Diário da República – o despacho que autoriza o lançamento do concurso para elaborar o projeto de reabilitação do troço Pocinho-Barca d’Alva. A IP também está disponível para apoiar a candidatura desta linha como Património Mundial da Unesco.

Na eletrificação da Linha do Algarve, a IP aguarda uma autorização do Ministério das Finanças, que tutela a empresa com as Infraestruturas, para que seja construída uma subestação em Olhão. Será ainda introduzido um sistema de sinalização eletrónica para todo o troço, que deverá ficar pronto no início de 2024.

Enquanto a IP tenta concluir as obras do Ferrovia 2020, já estão em marcha alguns dos projetos para o PNI2030. Para tentar acelerar o comboio do investimento, a IP conta com os despachos de delegação de competências do Governo, que permitem o lançamento automático dos contratos.

O primeiro despacho permitiu avançar com 12 projetos, como o troço Porto-Soure na linha de alta velocidade; a quadruplicação dos troços Alverca-Castanheira do Ribatejo e Castanheira do Ribatejo-Azambuja (Linha do Norte); a quadruplicação do troço Contumul-Ermesinde (Linha do Minho); o acesso aos portos de Leixões e de Setúbal; a eletrificação do Casa Branca-Beja; a modernização de toda a Linha do Vouga; e a duplicação do troço Poceirão-Bombel.

O segundo despacho não foi totalmente executado por conta da dissolução do Parlamento e das eleições legislativas de 2022. “Ficámos a meio e ainda estamos a negociar esse processo”, admite Carlos Fernandes. O atraso afeta o lançamento dos projetos para ampliar a Gare do Oriente, a eletrificação do troço Régua-Pocinho (Linha do Douro), a modernização do Caldas da Rainha-Louriçal (Linha do Oeste), a ligação entre a Linha de Cascais e a Linha de Cintura e a aposta no troço Sines-Grândola.

Considerando que a IP conta sete anos entre a autorização para um concurso a elaborar e a conclusão das obras, “se lançarmos um projeto em 2023, com sete anos já não é fácil de os conseguir concretizar neste quadro comunitário”. Ou seja, ou há projetos rapidamente aprovados ou mais obras ferroviárias poderão ficar adiadas para depois de 2030.