Porto de Sines introduz portagem inédita para comboios de mercadorias
14/01/2023 06:58 - Público

Portagem custa 158 euros por comboio e destina-se a financiar a gestão corrente do novo terminal ferroviário.

Porto de Sines introduz portagem inédita para comboios de mercadorias

A Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS) passou a cobrar uma taxa de 158 euros à entrada de cada comboio no terminal ferroviário de Sines. Uma medida que, segundo aquela entidade, se destina a financiar a exploração e manutenção da infra-estrutura ferroviária (linhas, agulhas, sinalização) do porto, a qual recebeu recentemente um investimento de 9,4 milhões de euros.

Para a Medway, o principal operador ferroviário do porto, isto representa um custo que ronda um milhão de euros por ano e que, de acordo com Bruno Silva, director geral da empresa, retira competitividade ao transporte ferroviário em favor do rodoviário porque os camiões não estão sujeitos a essa portagem.

“É uma medida inédita, pois não há mais nenhum porto a cobrar uma taxa dessas, com excepção da Liscont, no porto de Lisboa [Alcântara], que tinha um tarifário para o serviço ferroviário, mas que isentava os comboios comprados pela própria empresa. Além disso, a Liscont é uma concessionária privada. Não é o Estado a cobrar uma nova taxa”, diz aquele responsável.

Miguel Rebelo de Sousa, presidente da Associação Portuguesa de Empresas Ferroviárias (APEF), diz que não há mais nenhum porto em toda a Península Ibérica que cobre portagens aos comboios e que este precedente vai ter como consequência uma perda de competitividade do próprio porto e também do transporte ferroviário.

O dirigente reconhece que o porto de Sines fez investimentos no terminal ferroviário, melhorando o serviço prestado, mas considera-os função corrente do Estado. “Recentemente também melhoraram os molhes e não me parece que tenham aumentado a taxa aos navios”, diz.

Contactada pelo PÚBLICO, a administração do porto de Sines diz que foram realizados investimentos no montante de 9,4 milhões de euros “que trarão um serviço operacional 24 horas/dia, 365 dias por ano assegurado por uma equipa especializada e que visam garantir uma maior segurança, eficiência e rapidez das manobras, criando condições para que o tráfego ferroviário se possa continuar a desenvolver”. Mas, “face à indisponibilidade dos diferentes intervenientes para assegurar a exploração e manutenção, incluindo a sinalização da infra-estrutura requalificada, a APS introduziu, no corrente mês de Janeiro, uma taxa de utilização do complexo ferroviário do porto de Sines, aplicada aos operadores ferroviários, que tem por única finalidade compensar os gastos correntes em que passou a incorrer”.

Questionada sobre o carácter inédito desta medida, a APS diz que “Sines é o porto ibérico com o maior índice de movimentação de carga ferroviária, realidade que não é, portanto, comparável com outros portos”.

Já sobre a alegada discriminação face ao transporte rodoviário, esta entidade diz que “não estão reunidas condições para a introdução de uma taxa idêntica pela utilização da infra-estrutura rodoviária”, mas que espera vir a fazê-lo na sequência do projecto Pré-Gate e Área de Espera de Camiões, que envolve a construção de uma área de apoio ao parqueamento, controlo de mercadorias e controlo de acessos, que dará resposta ao acréscimo significativo dos fluxos rodoviários”.

Este projecto permitirá introduzir uma taxa idêntica para os camiões “para que, no mesmo princípio do utilizador pagador, se compensem os gastos correntes com a gestão e manutenção dos acessos rodoviários do porto”. Mas Miguel Rebelo de Sousa diz: “temos dúvidas que essa taxa pague apenas esses custos, pois parece-nos elevada, face aos meios que estão ao serviço dessa gestão”.

A APS não divulgou qual o montante de receitas esperado com a taxa ferroviária, mas Miguel Rebelo de Sousa estima que estas sejam na ordem dos 1,2 a 1,3 milhões de euros, dos quais a Medway pagará a parte de leão.

A Takargo, que só realiza três comboios por semana em Sines, será menos penalizada, mas Álvaro Fonseca, director-geral da empresa, diz que “isto é mais um imposto sobre a ferrovia que discrimina negativamente o sector em relação à rodovia”.

“Mas a nós preocupa-nos mais os aumentos anunciados da taxa de uso [portagem ferroviária] da IP anunciados para 2024 e que são da ordem dos 20% e com tendência para aumentar", diz o gestor, lamentando que as políticas públicas para a ferrovia não acompanhem o discurso político para o sector.

Por sua vez, Miguel Rebelo de Sousa chama também a atenção para os 140 milhões de euros que o Estado vai gastar para impedir um aumento ainda maior das portagens rodoviárias por parte das concessionárias das auto-estradas. “Ou seja, os operadores rodoviários vão ser indirectamente financiados pelos contribuintes para não suportarem um aumento tão grande das portagens, mas os operadores ferroviários terão de pagar integralmente aumentos de 20% das portagens e suportar uma nova taxa no acesso ao terminal de Sines. Além disso, o Estado continua a proporcionar aos rodoviários benefícios fiscais nos combustíveis, enquanto aos operadores ferroviários lhes vai sendo imputado todo o tipo de aumentos dos custos de produção, quando os objectivos nacionais deveriam ser aumentar o transporte ferroviário”, conclui.