Ferrovia 2020 está atrasado mais de dois anos e pode passar 2023
17/11/2022 06:48 - Público

IP admite mais atrasos devido à degradação do quadro macroeconómico, mas em Espanha a sua homóloga Adif superou em Setembro 90% das contratações que tinha previstas até Dezembro de 2022.

Ferrovia 2020 está atrasado mais de dois anos e pode passar 2023

Um relatório da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) sobre a execução dos investimentos ferroviários diz que em Março de 2022 se verificava “um atraso global para a conclusão do Ferrovia 2020 de dois anos e três meses, com a previsão da finalização das obras em todos os corredores no último trimestre de 2023, sendo que nalgumas intervenções existe a possibilidade de os trabalhos se prolongarem para além de 2023”.

O documento constata que só 15% dos projectos daquele programa de investimentos estão concluídos quando a sua totalidade deveria estar terminada em Dezembro de 2020. Em fase de obra, estão 57% dos projectos, enquanto 12% estão em fase de contratação e 16% ainda não foram lançados.

Apesar destes atrasos, a IP identificou um conjunto de riscos para a totalidade dos corredores que pode comprometer ainda mais as datas finais estimadas, nomeadamente questões relacionadas com o impacto ambiental dos projectos, “dificuldades dos projectistas e empreiteiros”, “publicação oportuna das autorizações de despesa” e “eventual degradação do quadro macroeconómico”.

Sobre este último, a empresa tem vindo a referir ultimamente os impactos decorrentes da pandemia de covid-19 e o prolongar da guerra na Ucrânia como justificações para os atrasos dos projectos. No caso da linha da Beira Alta, a IP diz que a guerra “tem afectado fortemente o mercado da construção, designadamente no tocante à disponibilidade e prazo de fornecimento de materiais de origem ferrosa”.

O PÚBLICO perguntou à Adif (Administrador de Infraestructuras Ferroviarias), entidade espanhola homóloga da IP, qual o impacto desta envolvente macroeconómica na sua actividade, tendo a empresa respondido: “em 2022, acelerámos o processo de contratação de projectos financiados pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência [PRR espanhol] e, a 30 de Setembro, já tínhamos superado em 90% o objectivo das adjudicações que deveríamos alcançar até 31 de Dezembro de 2022”.

A mesma fonte oficial da empresa diz que “estes resultados foram obtidos num contexto complexo com inúmeras incertezas devidas ao aumento dos preços e escassez de matérias-primas, ao aumento do custo de energia e às inseguranças derivadas da terrível guerra na Ucrânia”. Por isso, a Adif “foi pró-activa e aplicou com agilidade todas as medidas associadas à actualização de preços”. Governo apresenta o Plano Ferroviário Nacional

O Governo apresenta esta quinta-feira à tarde a versão para consulta pública do Plano Ferroviário Nacional, que deverá ser aprovado durante a manhã em Conselho de Ministros.

Antes de ser submetido à Assembleia da República – na qual o Governo pretende obter o máximo consenso possível para a sua aprovação – o documento estará em consulta pública e será alvo de uma avaliação ambiental estratégica, efectuada pelo LNEC.

O Plano Ferroviário Nacional resulta da compilação e tratamento de 318 contributos da sociedade civil, caracterizados por uma grande heterogeneidade, desde simples opiniões a propostas fundamentadas e de grande qualidade técnica. O grupo coordenador identificou 78 propostas que totalizam 906 páginas.

A grande orientação governamental para este plano é que o caminho-de-ferro deve chegar a todas as capitais de distrito e às localidades com maior dinâmica demográfica, económica e funcional. É o caso das 28 cidades classificadas como “centros urbanos regionais” pelo PNPOT (Plano Nacional da Política de Ordenamento do Território), um documento vinculativo ao qual devem estar sujeitas todas as políticas públicas e, como tal, também o próprio Plano Ferroviário Nacional.

Desta lista de cidades há quatro que estão à margem da actual rede ferroviária nacional: Chaves, Vila Real, Bragança, Portalegre e Sines. Esta última já é servida pela ferrovia, mas apenas por comboios de mercadorias, sendo fácil reactivar o serviço de passageiros. Portalegre está a 13 quilómetros da estação de caminho-de-ferro. A maior dificuldade está em como fazer chegar o comboio a Trás-os-Montes, desafio para o qual uma associação apresentou um estudo muito completo para um traçado que vai do Porto a Bragança e Zamora pelo planalto nordestino.

A futura lei que deverá resultar desta proposta não estabelecerá prazos para todos os projectos, mas, à semelhança do que aconteceu com o Plano Rodoviário Nacional, será o documento-base pelo qual se deverão reger os investimentos ferroviários e o respectivo serviço nas próximas décadas.

Em Portugal, a IP admite que pelo menos três projectos do Ferrovia 2020 vão transitar para o PNI 2030. São eles a electrificação da Linha do Douro entre Marco e Régua (que deveria estar concluída em 2019, mas ainda nem foi lançado o concurso público) e a modernização de dois troços da Linha do Norte: Ovar-Gaia (com 4 anos e 3 meses de atraso) e Vale de Santarém-Entroncamento (com uma derrapagem de três anos e seis meses).

Atrasos podem aumentar

O relatório da AMT diz que “todos estes atrasos poderão ainda aumentar, havendo o risco de existirem mais trabalhos apo?s 2023”. Um dos que estão identificados como podendo ultrapassar essa data é a electrificação do troço Tunes-Lagos, na Linha do Algarve.

A par dos atrasos no terreno, a própria execução orçamental tem vindo a derrapar. O regulador diz que “no final de 2020 estava executado 18,9% do total do investimento previsto realizar até final de 2024 no Plano Ferrovia 2020, ou seja, 402,2 milhões de euros de um total de 2127,6 milhões de euros”.

Nessa altura, alguns dos projectos com mais baixa taxa de execução eram a modernização das linhas da Beira Alta (9,6%), Oeste (3%), Algarve (1,5%), Cascais (0,3%) e a linha Sines-Ermidas-Grândola (2%).

“Tendo como fundamento a constatação e análise dos factos reproduzidos ao longo deste relatório”, a AMT recomenda à IP “a continuidade da aplicação e aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão dos investimentos e dos activos por forma a evitar o risco de as obras do Plano Ferrovia 2020 se prolongarem para além do ano de 2023”.