Infraestruturas de Portugal esteve a operar sem autorização de segurança
28/09/2022 06:30 - Público
Documento em falta deveria certificar que a empresa cumpre os requisitos de segurança para poder operar. Companhia de Seguros Fidelidade não sabia de nada.
A IP deixou caducar em 31 de Agosto a sua autorização de segurança e esteve até sexta-feira, dia 23 de Setembro, a operar sem qualquer certificação do seu Sistema de Gestão de Segurança, o que significa que não estava demonstrado que praticava uma funcional e eficaz gestão dos riscos inerente à sua actividade.
A caducidade daquele documento consta do relatório do GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários) “Colisão fatal na PN particular ao PK 128,209 da Linha do Alentejo”, onde é referido que o certificado de segurança da IP estava válido até 31/08/2022. Questionada a empresa, esta respondeu em 8 de Setembro que “o processo de renovação da Autorização de Segurança está em curso, com a avaliação, pelo IMT, das peças que constituem o processo e as necessárias respostas adicionais e adaptações pela IP”.
A gestora de infra-estruturas esclarecia que se trata de “um processo complexo e demorado, que resulta em pedidos, questões, pedidos de alteração e esclarecimentos entre as partes de forma a dar cabal cumprimento aos requisitos definidos”. E acrescentava que, “como não efectuou qualquer alteração ao sistema ferroviário que acrescente riscos ou altere as suas condições de exploração e manutenção”, então os procedimentos de segurança que fundamentaram a autorização de segurança concedida pelo IMT em 2019 “permanecem válidos, implementados e monitorizados”.
Concluía assim que, “independentemente do processo administrativo que se encontra a correr, estão garantidas as condições de segurança na circulação ferroviária”.
Questionado o IMT, que é autoridade nacional de segurança ferroviária, este confirmou, a 8 de Setembro, ao PÚBLICO que a IP não tinha a autorização de segurança válida, mas que “após a recepção do pedido para obtenção de renovação da Autorização de Segurança apresentado pela IP, o IMT encontra-se a avaliar dentro dos prazos que dispõe para o efeito”.
O PÚBLICO contactou a Agência Ferroviária Europeia (ERA em inglês), que diz não ter sido “formalmente informada” sobre esta situação, mas remeteu o assunto para as autoridades nacionais, neste caso, o IMT. A agência explica que “a autorização de segurança de um gestor de infra-estrutura é o reconhecimento pela Autoridade Nacional de Segurança do Estado-Membro onde a infra-estrutura ferroviária está localizada, de que o seu Sistema de Gestão de Segurança cumpre os requisitos da legislação da UE aplicável”.
Quem também não foi informado da caducidade da autorização de segurança da IP foi a sua seguradora, no caso a Fidelidade que, de acordo com o portal das contratação pública, possui um contrato de seguro de responsabilidade civil com aquela empresa pública no valor de 3,3 milhões de euros desde Agosto de 2021. A seguradora escusou-se a explicar quais as implicações da falta daquele documento.
“Após a recepção das perguntas do PÚBLICO, foi pedida informação sobre o assunto à IP”, diz fonte oficial. “A Fidelidade está sujeita a um dever legal de sigilo, no que respeita à informação de que tome conhecimento em virtude da celebração ou execução de um contrato de seguro, que não lhe permitirá comentar a situação que relatam”.
Para Nelson Coutinho, jurista com experiência em seguros, foi elevada a probabilidade de a IP poder não ser indemnizada em caso de sinistro durante o período em que não teve autorização de segurança. “Se uma certa actividade cujos riscos inerentes à sua exploração não se encontra devidamente licenciada e certificada para que possa operar, e se a seguradora não tem conhecimento desse facto, pode anular o contrato por falsas declarações ou omissão de factos”, explica.
Isto porque o conhecimento desses factos é para a seguradora “uma condição sine qua non para a apreciação do risco e taxação ou aceitação do contrato e se não lhe foi dado conhecimento da totalidade do objecto do seguro, então pode recusar eventual indemnização porque estava a fazer um seguro que não corresponde à verdade”, completa.
Por isso, a ausência de autorização de segurança da IP podia ser uma causa de exclusão da apólice, o que significa que, em caso de sinistro, a companhia de seguros podia não dar cobertura. “Se não está certificada é porque não estão reunidas todas as condições mínimas de segurança para que a empresa possa operar e isso é grave em caso de acidente porque, sendo uma empresa pública, somos todos nós que acabamos a pagar”, conclui.
Enquanto gestora da infra-estrutura ferroviária, a IP é responsável pelo bom funcionamento e bom estado das linhas, agulhas, postes, catenárias, pontes, túneis, sistemas de sinalização e de telecomunicações e procedimentos de gestão do tráfego. Em Portugal, circulam sobre a infra-estrutura da IP cerca de 1500 comboios por dia.
A CP e os outros operadores desvalorizam a inexistência de autorização de segurança. A transportadora pública de passageiros diz que “confia na capacidade da IP e do IMT para garantirem as condições de segurança necessárias para a circulação dos seus comboios”. E a Fertagus respondeu que “não identifica qualquer problema relacionado com as suas condições de operação”, nem tão pouco lhe foi reportado pela IP nem pelo IMT qualquer problema que pudesse prejudicar a operação ferroviária.
Questionada a Medway, a empresa fugiu à questão limitando-se a reforçar que “a segurança é uma prioridade e um valor absoluto” para a empresa e que está empenhada “num processo de melhoria contínua”.
A Takargo, que agora se chama Cap Train desde que foi comprada pela SNCF, não respondeu ao PÚBLICO.
Pedro Moreira confirmado na presidência da CP
Um ano depois da demissão do ex-presidente da CP, Nuno Freitas, o Governo nomeou uma nova administração para a empresa na qual o seu até agora vice-presidente, Pedro Moreira, sobe à liderança da transportadora pública.
O novo conselho de administração para o triénio 2022-2024 mantém os administradores Isabel Ribeiro (que sobe a vice-presidente), Ana Malhó e Pedro Ribeiro e passa contar com Joaquim Guerra, que foi chefe de gabinete de Nuno Freitas e de Pedro Moreira.
O novo presidente é engenheiro electrotécnico de formação e entrou em 1995 para a EMEF (empresa de manutenção da CP que foi integrada na empresa mãe em 2020), onde chegou a director da unidade de manutenção responsável pela manutenção dos comboios Alfa Pendular.
Na terça-feira, dia 27 de Setembro, ao final da tarde, e já próximo do fecho desta edição, a empresa tomou a iniciativa de comunicar ao PÚBLICO que a autorização de segurança lhe fora concedida pelo IMT no passado dia 23 de Setembro.