Plano Ferroviário Nacional: metade dos contributos é sobre o mapa da rede
21/10/2021 23:01 - Público

Grupo de trabalho recebeu 318 contributos, que vão de simples desabafos a estudos técnicos com dezenas de páginas. E acentua a necessidade de obter consensos para que o país se reveja o mais possível no documento final.

Plano Ferroviário Nacional: metade dos contributos é sobre o mapa da rede

A primeira fase da discussão do Plano Ferroviário Nacional terminou em Setembro com a recepção de 318 contributos que se caracterizam por uma grande heterogeneidade: vão desde o “acho muito bem que se faça um plano ferroviário”, a desabafos sobre o mau serviço da CP, à exigência de novas vias férreas, a reflexões estratégicas sobre a mobilidade, até à apresentação de projectos muito bem documentados.

Estes últimos acabam por ter um peso mais importante dado que há 78 contributos que trazem anexos que totalizam 906 páginas. Das 318 propostas, 292 são de origem particular e 26 de entidades, normalmente associações ou autarquias.

O grupo coordenador do plano tem agora pela frente a tarefa de classificar as propostas da sociedade civil sob vários critérios. Um deles é a perspectiva local, regional, nacional ou internacional. Mas há outros temas: 191 dos contributos têm a ver com o serviço de passageiros, 57 com as mercadorias e 158 referem-se ao mapa da rede, normalmente com sugestões de novas linhas. Há ainda 96 contributos que versam aspectos técnicos, ligados à electrificação, sinalização, passagens de nível ou informação ao passageiro.

Frederico Francisco, coordenador do grupo de trabalho do Plano Ferroviário Nacional, diz que houve trabalhos que chamaram mais a atenção, a começar pelo da Associação Vale d’Ouro “que fez um estudo muito detalhado sobre uma possível nova linha para Trás-os-Montes e que tem uma componente técnica e de reflexão muito aprofundadas que nos pode ser útil”.

O movimento cívico LBB – Linha da Beira Baixa enviou também um contributo detalhado com 70 páginas com ideias muito completas sobre aquela linha, desde a oferta ideal, ao seu potencial, à exploração turística e até à configuração das estações.

Em sintonia com este grupo também a Câmara da Covilhã apresentou um documento “muito detalhado e construtivo” sobre as expectativas da autarquia na sequência da reabertura do troço Covilhã – Guarda acerca dos acessos da Cova da Beira a Lisboa e ao Centro e Norte do país.

A Associação Comboios XXI contribuiu com um estudo preliminar sobre o acesso da ferrovia ao aeroporto Sá Carneiro. E um grupo inorgânico de técnicos, académicos e políticos apresentou um extenso documento sobre o transporte internacional de mercadorias, realçando a necessidade de se mudar a bitola ibérica para bitola europeia. Também a CIP (Confederação Empresarial de Portugal) manifestou as suas preocupações sobre o transporte internacional de mercadorias a baixo custo para promover as exportações.

De Coimbra, o Movimento Cívico pela Estação Nova não se limitou a protestar contra o fecho daquela estação e apresentou uma solução para manter o canal ferroviário entre Coimbra e Coimbra B, colocando o Metrobus num percurso alternativo ao agora definido.

Do Algarve, o Movimento Mais Ferrovia insistiu nas suas propostas para transformar parte da ferrovia daquela região num Tram Tren. E a Comunidade Portuária do Porto de Lisboa enviou um documento a chamar a atenção para os acessos ao porto com comboios de mercadorias, subentendendo-se a necessidade de desnivelar a ligação entre Alcântara Terra e Alcântara Mar.

Entre os contributos particulares encontram-se os de “indivíduos muito activos nas redes sociais que apresentaram reflexões estratégicas e teóricas mais ou menos profundas, pessoas que defendem os comboios internacionais, outros que querem os comboios nocturnos, os defensores do serviço regional e os que acentuam a importância do comboio nas áreas suburbanas”.

No lado oposto, há contributos que pouco acrescentam, desde o “acho muito bem”, que Frederico Francisco vê como “um encorajamento pela iniciativa de se fazer um plano ferroviário nacional”, até clientes amargados com a CP que se queixam dos comboios do Alentejo e do Oeste “e dos quais podemos inferir o desejo implícito de uma melhoria dos serviços oferecidos naquelas linhas”.

Um dado curioso: muito poucos contributos com propostas de investimentos apresentaram os respectivos custos. “Podem-se contar pelos dedos de uma mão os que o fizeram”, diz Frederico Francisco.

E qual o contributo mais inovador? “O da Associação Vale d’Ouro foi um dos mais surpreendentes pelo nível de ambição e detalhe técnico do documento e pela inovação. Já tínhamos colocado esse desafio de fazer chegar a ferrovia a Vila Real e a Bragança e eles responderam com uma proposta concreta muito bem estruturada”.

Menos surpreendente foi a ronda de reuniões pelas CCDR (Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional) que teve lugar em Julho passado e onde o coordenador do grupo de trabalho diz que “houve muito pouca coisa nova”.

Quem coordena o Plano?

O grupo coordenador do Plano Ferroviário Nacional é liderado por Frederico Francisco enquanto representante do Governo e conta com a participação de Eduardo Feio (IMT), Carlos Fernandes (IP), Pedro Moreira (CP), Fernanda do Carmo (Direcção Geral do Território) e Miguel Lisboa (Associação Portuguesa de Empresas Ferroviárias).

Cada destes elementos é assessorado por equipas das instituições que representam. O LNEC, que não faz parte do grupo, será a entidade responsável pela avaliação ambiental estratégica.

As regiões acantonaram-se nas reivindicações de sempre (no que também prova que nunca foram atendidas) tendo havido alguma surpresa com uma aparente rivalidade entre Aveiro e Coimbra, com a primeira a defender o corredor internacional norte através de uma nova linha Aveiro-Salamanca e a segunda a querer manter e valorizar a linha da Beira Alta.

Frederico Francisco diz que não há razões para recear que as novas ligações desvalorizem as existentes. “Pelo contrário, ao aumentar a densidade da rede, intensificam-se também os serviços e há um ganho global”, diz.

O facto de a futura linha de alta velocidade não se aproximar das cidades de Leiria, Coimbra e Aveiro gerou também algumas incompreensões. “Intuitivamente, as pessoas acham que o serviço está intimamente ligado à infra-estrutura, mas é preciso desconstruir isso pois uma infra-estrutura permite muitas combinações de serviços sobre ela própria. É o plano de serviços ferroviários que determina a infra-estrutura necessária”. Isto quer dizer que a linha de alta velocidade pode não chegar à cidade, mas a cidade pode ser servida por comboios de alta velocidade. Como? Através de variantes entre a “auto-estrada ferroviária” e a linha convencional.

A equipa do Plano Ferroviário Nacional vai agora chamar para reunir “os autores dos contributos mais interessantes ou que suscitem questões ou dúvidas”, explica o seu coordenador. Segue-se até Dezembro a definição dos critérios de avaliação ambiental estratégica, uma tarefa muito importante “porque o objectivo não é analisarmos os projectos um a um, mas sim definirmos os critérios com que vão ser avaliados”.

A metodologia passa por elaborar, para as diferentes regiões do país, um diagrama do que seria o serviço ideal e depois inserir os contributos de acordo com esse objectivo. Frederico Francisco diz que vão seguir uma metodologia idêntica ao que a IP está a fazer neste momento com uma equipa de consultores suíços, que estão a perspectivar a rede ferroviária que resultar do PNI 2030 (e que já inclui a alta velocidade Lisboa – Porto – Vigo) calculando o máximo de serviços que ela suportará. E isso será um dos pontos de partida para o Plano Ferroviário Nacional.

Até meados de 2022 a equipa deverá entregar ao Governo uma proposta do plano para ser aprovada em Conselho de Ministros, seguindo depois para a Assembleia da República. Mas Frederico Francisco diz que muito antes disso pretende envolver os partidos para assegurar que a proposta não cai de surpresa no Parlamento. “Temos a máxima preocupação em obter consensos para que o país se reveja o mais possível no documento final”, diz.