Prometeram uma Linha do Vouga moderna mas os planos estão a descarrilar
18/12/2022 17:54 - Público

Entre as garantias de Pedro Nuno Santos e os projectos da IP vai uma grande distância para a modernização da Linha do Vouga.

Prometeram uma Linha do Vouga moderna mas os planos estão a descarrilar

O PNI 2030 prevê um investimento de cem milhões de euros para modernizar a Linha do Vouga, na sua totalidade entre Espinho e Aveiro, mas, para já, a IP avança apenas com "um plano de intervenções no valor global de 34 milhões de euros, com um desenvolvimento faseado, até 2025, que contempla a renovação da superestrutura de via, com substituição integral de carril, travessas e fixações, balastragem de via e ataque mecânico pesado, bem como a automatização de passagens de nível”.

Os planos da empresa pública para a única linha de via estreita do país prevêem ainda o tratamento de taludes e a beneficiação de obras de arte. Intervenções que pouco mais são do que manutenção pesada e que estão longe das promessas do ministro Pedro Nuno Santos de que a linha seria verdadeiramente modernizada, incluindo a sua electrificação, até 2030.

Em respostas ao PÚBLICO sobre os planos de investimento para o Vouga, a IP é mais cautelosa e refere que “estão em curso estudos para a melhoria do interface entre a Linha do Vouga e a Linha do Norte em Espinho” e “para avaliar a melhor solução para electrificar a linha, incluindo a escolha de tensão mais adequada”. A tensão na rede geral é de 25kV, mas para uma via estreita é suficiente uma tensão de 1500 ou 750kV.

Já a reabertura do troço central entre Oliveira de Azeméis e Sernada do Vouga (que na altura do encerramento estava limitada à velocidade máxima de 10km/h devido à degradação da infra-estrutura) parece estar assegurada porque a IP garante que essa obra já está em fase de análise de propostas da empreitada. No entanto, diz que “nesse troço se prevê a prática de velocidades idênticas às da restante linha”, as quais rondam os 30 a 50km/h.

Para Mário Pereira, do Movimento Cívico da Linha do Vouga, “é inexplicável que não se aproveite esta obra para aumentar as velocidades porque, se é verdade que de Espinho a Oliveira de Azeméis a linha é sinuosa, no troço central aquilo é quase tudo rectas e os comboios podiam ser mais rápidos para servir Albergaria-a-Velha”. Em sua opinião, há alguma má vontade da IP, que “antes pretendia encerrar definitivamente o troço central e deixar a Linha do Vouga com dois ramais [Espinho-Oliveira de Azeméis e Aveiro-Sernada do Vouga] e agora, com este ministro [Pedro Nuno Santos], foi obrigada a recuperar tudo de má vontade”.

A empresa pública justifica-se dizendo que “as características orográficas do terreno e a ocupação marginal da linha não permitem alterações significativas do traçado, pelo que na generalidade o perfil de velocidades será mantido”. No entanto, “a automatização das passagens de nível permitirá eliminar as restrições de velocidades que lhes estão associadas, promovendo uma diminuição nos tempos de percurso”.

Aquilo que para a IP são investimentos ainda para estudar são, para o ministro Pedro Nuno Santos, projectos a executar. Numa reunião da Federação Distrital do PS-Aveiro, realizada em São João da Madeira (de onde o ministro é natural), o governante garantiu que seriam gastos os cem milhões de euros previstos no PNI2030 para modernizar a linha e que isso incluía a sua electrificação, a correcção de traçado onde isso fosse possível e o prolongamento da linha – que actualmente morre em Espinho-Vouga a 500 metros da estação central – até ao interface da Linha do Norte.

Mário Pereira, que assistiu a essa reunião partidária, diz que esta “é uma obra absolutamente necessária para que as pessoas possam facilmente apanhar os comboios da Linha do Norte e corrige um erro de 2008 quando enterraram a estação de Espinho e deixaram afastado o terminus da Linha do Vouga”.

“O ministro até falou, sem se comprometer, que gostaria de levar a Linha do Vouga até à Universidade de Aveiro e às tantas pediu desculpa por se entusiasmar tanto a falar de ferrovia, porque se nota que ele gosta genuinamente do tema. A IP é que não mostra o mesmo interesse. Eu chamo-lhe a ‘Istradas de Portugal’...”, diz este activista, que nota uma discrepância entre o que está estabelecido pelo Governo e aquilo que a empresa de infra-estruturas se propõe fazer.

Por parte da CP, o PÚBLICO apurou que a transportadora pública desejava também alterar o traçado de alguns troços da Linha do Vouga, cortando algumas curvas por forma a aumentar as velocidades dos comboios. E que a mesma lógica fosse aplicada no troço central que vai ser aberto e onde é fácil fazer subir as velocidades porque não há tantas curvas.

A CP constata ainda que alguns apeadeiros estão desfasados dos pólos geradores de tráfego e gostaria de os alterar para ficarem mais perto das novas zonas industriais, escolas, centros de saúde e supermercados. Neste aspecto, a IP diz que “tem trabalhado em colaboração com a autarquia de Águeda, na análise e definição de soluções a implementar na Linha do Vouga que melhor sirvam a mobilidade das populações”. Deste trabalho conjunto “resultou a identificação da necessidade de deslocalização de dois apeadeiros (Aguieira e Mourisca do Vouga) e a criação de duas novas paragens (Ninho de Água e Alagoa) no segmento Sernada do Vouga-Aveiro”. Mas nada deve ser decidido no curto prazo. A empresa diz que “a IP, a autarquia de Águeda e o operador CP se encontram a desenvolver a celebração de um Protocolo de Colaboração”

Electrificação versus hidrogénio

Outra questão em aberto no futuro do Vouga é o material circulante. Pedro Nuno Santos disse em São João da Madeira que a CP andava a ver hipóteses de compra de material de via estreita no estrangeiro. Mas outra possibilidade, assumida pela própria CP, é a transformação das actuais automotoras a diesel em automotoras eléctricas, pois estas foram concebidas de raiz pela antiga Sorefame prevendo essa possibilidade. O conjunto do motor diesel e alternador que produz energia eléctrica para alimentar os motores de tracção pode ser substituído por equipamento eléctrico recebendo a energia eléctrica da catenária, passando assim a ser automotoras eléctricas.

Outra possibilidade é o recurso ao hidrogénio, projecto que já está em estudo e no qual os motores seriam alimentados por energia eléctrica produzida por células de combustível. Esta solução é mais cara, mas dispensava a electrificação da via. Tem, porém, outros problemas igualmente caros, como a transformação radical das oficinas de manutenção, as quais teriam de ter sistemas de segurança muito avançados. Cauteloso, um alto responsável da CP disse ao PÚBLICO que “não devemos entrar às cegas nessa solução só para dizer que estamos na vanguarda da tecnologia”, preferindo a já conhecida tecnologia do comboio eléctrico.

A solução final – electrificação ou uso do hidrogénio – terá forçosamente de ser acordada entre a CP e a IP, num processo de decisão potencialmente conflituoso, uma vez que cada uma poderá fazer poupanças à custa da outra.

Em aberto está também o serviço comercial. O Plano Ferroviário Nacional estabelece que a linha tem carácter suburbano entre Oliveira de Azeméis e Espinho e entre Sernada do Vouga e Aveiro, relegando o troço central para serviço regional. Mário Pereira discorda e diz que “toda a linha deveria ser considerada serviço suburbano e estar integrada no Andante”.

Alerta ainda para a escassa oferta horária, dando o seu próprio exemplo: “Eu trabalho numa fábrica a 800 metros da linha de comboio, mas não tenho horários à meia-noite quando saio do trabalho. Isto numa região industrial.”