Alta velocidade até Soure é, para Leiria, como “morrer na praia”
21/06/2022 20:16 - Público
A primeira fase da alta velocidade entre o Porto e Soure deixa Leiria e a linha do Oeste de fora de um projecto que o PSD tem dúvidas que se concretize nos prazos anunciados.
Cepticismo e muitas dúvidas caracterizaram o debate sobre a linha do Oeste que na segunda-feira se realizou em Leiria, promovido pela Associação Social Democrata e Comissão Política Distrital de Leiria do PSD. O histórico de promessas falhadas, a modernização em curso até às Caldas, que começou atrasada e entretanto parou, a falta de ambição dessa modernização que não permite aumentos significativos de velocidade, e as incertezas sobre o que vai ser feito entre Caldas da Rainha e Leiria colocam os sociais-democratas de sobreaviso sobre as intenções do governo para aquela ferrovia que serve o litoral centro.
Estas dúvidas e a sensação de que a linha do Oeste fica sempre de fora dos grandes projectos ferroviários são justificadas pelo facto de a IP ter definido que a alta velocidade será construída de forma faseada com um primeiro troço entre o Porto e Soure. “Isto para Leiria é como morrer na praia”, disse Pedro Meda, especialista em Direcção e Gestão de Construção pela Ordem dos Engenheiros. “Por um pouco mais podia-se chegar a Leiria e ligar finalmente a linha do Oeste à linha Lisboa-Porto e à rede ferroviária nacional”, um desígnio que tem décadas e que nunca foi concretizado.
O também investigador provocou um sorriso amarelo na assistência quando evidenciou que durante o Euro 2004 foram electrificadas as linhas que chegavam às cidades com novos estádios (Guimarães, Braga e Faro-Loulé), tendo sido Leiria a única a ficar de fora desse surto de investimento ferroviário.
“Tenho dúvidas que o PNI 2030 se concretize no calendário previsto a não ser que Portugal ganhe a organização do Euro 2030. Se acontecer, então de certeza que tudo isto se desbloqueia e teremos nova linha Lisboa-Porto e ligações a Espanha”, disse. É que basta olhar para os últimos 30 anos e constatar que os picos de investimento na ferrovia coincidiram com a Expo 98 e o Euro 2004. “É aquilo que eu chamo a modernização do caminho-de-ferro à boleia dos grandes eventos internacionais”.
Hugo Oliveira, presidente da distrital do PSD e deputado na Assembleia da República, fez eco do pessimismo que se fez sentir durante um debate marcado pela descrença no futuro ferroviário na região. “Sou muito céptico. Nem vou falar das obras que estão a ser feitas entre Lisboa e Caldas da Rainha. Tenho dúvidas se o projecto que está a ser executado tornará a linha mais competitiva porque não teve em conta o aumento da velocidade dos comboios”, lamentou-se.
O também vereador da Câmara das Caldas disse que “há 1000 pessoas que vão diariamente de autocarro das Caldas da Rainha para Lisboa e que poderiam ir de comboio de forma mais tranquila e com menos emissões de CO2”.
Mas uma vez que tal dificilmente acontecerá após a modernização da linha até às Caldas da Rainha, então que no troço a norte desta cidade até Leiria “se resolvam os erros que foram cometidos no troço a sul das Caldas”, disse o deputado, sublinhando que “o ideal é que a linha do Oeste fique ligada à linha do Norte”, opinião também partilhada por Pedro Meda e pelo ex-presidente da CP, Carlos Nogueira.
Este último, que presidiu aos destinos da CP entre 2017 e 2019, disse que à data em que saiu da empresa esta perdia seis milhões de euros por ano na linha do Oeste. “Não há passageiros na linha do Oeste. Mas também com aqueles comboios...!”. O gestor referia-se à frota de automotoras a diesel com mais de 40 anos que a CP alugou a Espanha (cada uma custa 350 mil euros por ano) e que prestam serviço naquela linha. Mas omitiu os maus horários que não servem a população e que tornam o modo ferroviário ainda menos atractivo.
Dando a entender que a sua passagem pela CP terá sido uma experiência traumática devido às muitas dificuldades com que se deparou num período em que a empresa sofria de uma profunda falta de material circulante, o ex-administrador recordou que ele próprio lançou em 2019 um concurso para a compra de 22 novas automotoras para serviço regional, mas que ainda hoje não foi iniciado o seu fabrico. Porquê? Devido às idiossincrasias do Código da Contratação Pública, das dificuldades em obter o dinheiro da tutela financeira e das impugnações e litígio em tribunal por parte dos concorrentes.
Carlos Nogueira disse que a CP “é muito difícil de gerir pois é uma empresa pública com dois ministérios: o das Infraestruturas a querer fazer obra e o das Finanças a não querer dar o dinheiro”.
Sobre a necessidade de uma nova linha entre Lisboa e o Porto, que foi uma questão várias vezes colocada pelos participantes no debate, o gestor explicou que a linha do Norte está sobrecarregada e que nela “já foram gastos 2 mil milhões de euros em remendos”. Pedro Meda fez notar que as obras de modernização daquela linha começaram em 1995 e estão longe de estar concluídas.
O ex presidente da CP disse ainda que “qualquer que seja o novo aeroporto de Lisboa, é preciso uma terceira travessia do Tejo”. Mas entende que “o aeroporto no Montijo não é solução porque a ponte Vasco da Gama ficaria sobrecarregadíssima e não conseguiria pôr lá os passageiros”. Por isso, “Alcochete é a solução”, mas com uma terceira ponte e acesso ferroviário.
Sobre um velho desejo das forças vivas de Leiria em abrir o aeroporto de Monte Real ao tráfego civil, questionado sobre o assunto, Pedro Meda disse que, tanto quanto sabia, “a IP está a estudar as ligações ferroviárias aos aeroportos de Porto, Beja e Faro, mas Monte Real não está na equação”.