Comboios Lisboa-Porto são os mesmos há 15 anos. Autocarros já têm mais oferta
16/09/2023 00:03 - Dinheiro Vivo

Desde 2007, há 18 ligações ferroviárias entre as duas principais cidades do país. Sem mudanças na Linha do Norte, empresas de transporte rodoviário agarram na crescente procura de passageiros e oferecem mais lugares do que na viagem sobre carris

Comboios Lisboa-Porto são os mesmos há 15 anos. Autocarros já têm mais oferta

Pouco mudou na viagem de comboio entre Lisboa e Porto desde 2007, apesar dos discursos para largar o carro. Há 15 anos que há 18 viagens por dia e por sentido entre as duas cidades portuguesas. É pela centenária Linha do Norte que seguem o Alfa Pendular e o Intercidades, misturados com os serviços regionais, suburbanos e ainda os vagões de mercadorias. Por conta das obras nos carris, a deslocação agora demora mais tempo do que em 2007. Em sentido contrário, o autocarro ficou mais rápido e ultrapassou o comboio em número de lugares.

"As limitações da Linha do Norte são amplamente reconhecidas", responde ao Dinheiro Vivo fonte oficial da CP. Em média, são 730 comboios por dia na principal linha ferroviária do país, com maiores limitações na chegada ao Porto e a Lisboa (ver infografia). Não é por falta de procura que a estatal CP não aumenta o número de ligações, até porque a taxa de ocupação diária "mantém-se consistentemente acima dos 70%" e, às sextas-feiras, "aproxima-se do total" da lotação, detalha a mesma fonte.

Há mais de três décadas que o poder político assume que não cabem mais comboios neste percurso, concluído em 1864 (em Vila Nova de Gaia) e cujo nível de utilização ronda os 90%, segundo dados de 2019 da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT). "É extremamente complicado ter comboios a circularem a 200 km/h quando há mistura entre vários tipos de serviços", salienta Manuel Tão, investigador de Economia dos Transportes da Universidade do Algarve. No máximo, "talvez seja possível incluir mais cinco ou 10 comboios por dia", embora seja "impensável apostar num horário cadenciado", ou seja, com partidas constantes a cada uma ou duas horas, por exemplo.

Foi em 22 de abril de 2007 a última transformação nas viagens de comboio entre Lisboa e Porto. A CP, a partir daí, aumentou de 15 para 18 as ligações diárias por sentido nesse trajeto, com 11 serviços realizados pelo topo de gama Alfa Pendular e os restantes sete a cargo da locomotiva e das carruagens do Intercidades.

Na altura, o primeiro governo de José Sócrates estava decidido a encarrilar a nova linha de alta velocidade Lisboa-Porto e a deixar para trás a Linha do Norte: de 2006 em diante, o objetivo era modernizar os carris para os comboios circularem, no máximo, a 160 km/h. Também em 2007, o melhor tempo de viagem entre a estação de Santa Apolónia (Lisboa) e de Campanhã (Porto) era de 2 horas e 44 minutos com o Alfa Pendular, e de 3 horas e 9 minutos com o Intercidades.

Em 2013, quando o governo de Passos Coelho abandonou o projeto de alta velocidade, a CP conseguiu acrescentar um comboio adicional entre Lisboa e Porto às sextas ao final da tarde; no sentido contrário, a viagem extra entrou nos carris aos domingos ao final da tarde. Passaram a ser 18 serviços/dia/sentido mais o extra de sexta (ou de domingo, conforme a direção).

Nada mais mudou até 31 de julho de 2020 (excluindo as restrições da pandemia de covid-19). Quando o Alfa Pendular esbarrou contra um veículo de manutenção da via, em Soure, o impacto foi tão grande que a CP deixou de contar, irremediavelmente, com uma das 10 automotoras para o serviço de topo de gama. Nunca mais houve Alfa Pendular para Guimarães e, de repente, voltou-se a 2007: 17 viagens por dia e por sentido mais o reforço de final de semana.

Autocarros têm mais lugares
Em 2023, a viagem de comboio entre Lisboa-Santa Apolónia e Porto-Campanhã demora 2 horas e 59 minutos com o Alfa Pendular e 3 horas e 24 minutos com o Intercidades. O Alfa tem uma lotação de 301 passageiros por comboio e o Intercidades consegue sentar, em média, 438 viajantes - na configuração de duas carruagens de primeira classe e outras quatro de segunda classe. No total, são 6514 lugares por dia e por sentido, estima o Dinheiro Vivo.

Enquanto o comboio andou a marcar passo, o autocarro acelerou a oferta nos últimos anos. Tirando partido das autoestradas construídas à boleia dos fundos europeus, as ligações por estrada entre Lisboa-Porto estão mais rápidas do que nunca. Entre Lisboa-Oriente e Porto-Campanhã, são 3 horas e 15 minutos de viagem, seja de comboio Intercidades ou num autocarro Expresso, que desloca-se entre a Gare do Oriente e o Terminal Intermodal de Campanhã - as duas infraestruturas estão junto à linha do comboio.

A CP argumenta que "o comboio proporciona benefícios claros em termos de segurança, conforto, rapidez e sustentabilidade", além de ser mais prático para ir à casa de banho ou alimentar o estômago durante as mais de três horas de viagem, graças ao serviço de bar. Por outro lado, os autocarros apostam em comodidades mais modernas, como tomadas elétricas em todos os lugares (uma raridade no serviço Intercidades) e a internet sem fios - tirando partindo da proximidade às torres móveis, longe do caminho-de-ferro.

Apesar de a viagem de comboio ser mais amiga do ambiente face ao autocarro (ver infografia), o preço é fator decisivo para a escolha do autocarro, sobretudo, quando se tem mais de 30 anos - deixa de haver descontos. Na passada terça-feira, para viajar entre Lisboa e o Porto no dia 15 de setembro, a viagem mais barata do Intercidades custava 25,25 euros e a do Alfa Pendular fixava-se nos 31,90 euros - só paga menos se comprar os ingressos com mais de uma semana de antecedência. De autocarro, ainda dava para comprar bilhetes por valores entre os 7 e os 20 euros, conforme a hora.

À conta disso, Rede Expressos, FlixBus e Gypsy proporcionam um total de 6608 lugares entre Lisboa e Porto, divididos por 128 viagens em cada sentido, com partidas entre as 6 e as 23 horas: 74 ligações para a rede Expressos, 52 para a FlixBus e 4 para a Gypsy. Ao Dinheiro Vivo, a Rede Expressos (detida pelo grupo Barraqueiro) aponta para um "crescimento de 48% na oferta" de autocarros Lisboa-Porto face a 2019 e sinaliza mesmo: "Em dias de maior movimento reforçamos os serviços e os horários mais procurados".

A FlixBus aumentou em mais de 70% a oferta no eixo Lisboa-Porto face a 2022. "Desde o início deste ano que se verifica um crescimento exponencial do setor das viagens e turismo em Portugal, e obviamente isso reflete-se na procura e oferta no mercado doméstico. Também fatores como a inflação e a perda de poder de compra têm contribuído para que viajar de autocarro deixe de ser uma opção B e passe a ser a opção A", explica ao Dinheiro Vivo o diretor-geral da empresa para Portugal e Espanha, Pablo Pastega. A empresa alemã diz que "aumentará a oferta" dos parceiros rodoviários "de acordo com as necessidades do mercado". As transportadoras normalmente usam veículos com 50 lugares, porque as unidades com 70 assentos já contam com três eixos e passam a pagar classe 3 nas portagens - o aumento de custos é de 11% por viagem, segundo a FlixBus.

O comboio ainda enfrenta uma longa viagem para conseguir destacar-se do autocarro. Sem a nova linha Lisboa-Porto, até ao final da década não são esperadas grandes melhorias de tempo pela Linha do Norte. Findas as obras, o tempo de viagem deverá voltar à marca de 2007. Razão para que, "tendo em conta que os pagamentos anuais associados às parcerias público-privadas rodoviárias sofrerão uma forte quebra nesta década, que a dívida pública se encontra controlada, que o investimento em infraestruturas de transporte se encontra abaixo da média europeia e que o setor dos transportes está a aumentar as suas emissões em vez de as diminuir de forma consistente, seria incompreensível que não se concretizassem os investimentos nas infraestruturas ferroviárias previstos até 2030", sintetiza Pedro Nunes, analista de políticas públicas e coordenador de projetos nas áreas de energia, clima e mobilidade na associação ambientalista Zero.