Entre Porto e Vigo, a linha está electrificada mas os comboios são a diesel
13/06/2022 20:30 - Público
CP e Renfe mantêm um “serviço internacional” de baixa qualidade que consome 1176 litros de gasóleo por dia e emite mais de mil toneladas de CO2 por ano.
Não se pode dizer que há um desentendimento entre a CP e a Renfe. Pelo contrário, ambas as empresas estão de acordo em deixar como está o serviço internacional Celta, que liga duas vezes por dia o Porto a Vigo com velhas automotoras a gasóleo apesar de a linha já estar electrificada na sua totalidade.
O PÚBLICO perguntou às duas operadoras públicas se havia a intenção de introduzir material eléctrico naquele trajecto e qual a estratégia de ambas para o futuro deste serviço internacional. A CP diz que “tem nos seus objectivos, logo que seja possível, a introdução de material eléctrico” no Porto-Vigo, mas que não tem nenhuma previsão para tal. A Renfe, mais lacónica, respondeu que “actualmente não há alterações sobre esse serviço” e que “se houver alguma novidade, informaremos, tal como o fazemos sempre”.
A electrificação da linha do Minho até Valença (em rigor foi até Tui, no outro lado do rio) foi inaugurada em 26 de Abril de 2021, mas já um ano antes, em 27 de Julho de 2020, os espanhóis tinham electrificado o pequeno troço entre Guillarey e a fronteira de Tui. Entre o Porto e Vigo passou a haver uma linha totalmente electrificada, embora do lado português com tensão de 25 mil volts com corrente alterna e do lado espanhol com 3000 volts em corrente contínua.
Este problema técnico, resultante de razões históricas por Portugal ter adoptado na década de 1950 uma tecnologia mais avançada para a electrificação ferroviária, poderia ser ultrapassado com recurso a comboios bi-tensão, de que existem várias séries na frota da Renfe. Os S-120, S-121, S-130 e S-730 são comboios modernos, aptos a circular nos dois tipos de tensão e que poderiam fazer um serviço de alta qualidade entre o Porto e Vigo. Qualquer um deles, dadas as suas características técnicas e de conforto, seria o melhor comboio a circular em território português.
A opção da Renfe e da CP, contudo, foi manter o serviço Celta a funcionar com as automotoras UTD592, que são actualmente o único material de passageiros a diesel que circula na linha do Minho. Os restantes serviços (suburbanos, regionais e intercidades) são todos realizados com material eléctrico.
As automotoras para Vigo são, curiosamente, espanholas. Fazem parte do lote que a Renfe alugou à CP porque esta última, nas últimas décadas, mandou para a sucata várias dezenas de automotoras a diesel que considerou obsoletas. As UTD592 são dos anos 80 e gastam 191 litros de gasóleo aos 100 quilómetros.
O PÚBLICO fez as contas aos gastos diários das duas viagens de ida e volta entre o Porto e Vigo - realizadas a diesel debaixo de catenária – e observou que se gastam por dia 1176 litros de gasóleo e se emitem 2,8 toneladas de CO2 a que correspondem 243 euros. Os valores bases são fornecidos pela associação Zero que considera que um litro de gasóleo corresponde a 2,43 quilos de CO2 e que o preço do mercado do carbono está a cerca de 85 euros por tonelada.
Por ano, os números são mais impressionantes: o Celta a gasóleo representa 429 mil litros de gasóleo, mil toneladas de CO2 e um custo de poluição equivalente a 88.700 euros.
Além de poluente, o serviço é de fraca qualidade. As automotoras são desconfortáveis e têm elevados níveis de ruído e de vibração. Há passageiros que se queixam que, frequentemente, sentem o cheiro a gasóleo. Na linha do Minho ficam aquém do próprio serviço regional, cujas automotoras UTE (Unidades Triplas Eléctricas) são mais silenciosas.
O serviço também não é rápido. Entre o Porto e Vigo, mesmo com paragem apenas em Nine, Viana do Castelo e Valença, demora-se 2 horas e 22 minutos. Já a oferta de autocarro é mais vasta, podendo a viagem tardar entre 1 hora e 15 minutos e as 3 horas e meia, consoante as empresas rodoviárias e a lei de paragens. Os preços variam entre os 10 e os 17 euros, mas é possível conseguir, por vezes, viagens a 5 euros. Neste aspecto, o comboio discute os preços taco a taco: a viagem custa 11,95 euros, mas é possível conseguir bilhetes a 5,25 euros.
O site da CP, porém, não vende o título de transporte para Vigo. O passageiro que queira comprar online é remetido para o site da Renfe, contrastando com a facilidade com que se compram os bilhetes de autocarro na Internet.
O PÚBLICO perguntou à CP por que razão não se pode comprar no seu site um bilhete para Vigo, tendo a empresa respondido que “a venda dos comboios internacionais está acordada e protocolada comercialmente com a Renfe, desde 2013, uma vez que a CP não possui um sistema de venda internacional próprio”.
A vocação internacional da CP é praticamente nula, sobretudo depois de terem sido suspensos os comboios internacionais Sud Expresso e Lusitânia Expresso, que ligavam Lisboa a Hendaya e Madrid. A empresa poderia negociar com a Renfe a realização do Celta com uma composição formada por locomotiva mais carruagens. Mas esta opção está condenada no curto prazo pela opção da transportadora pública em não certificar as carruagens Arco (que comprou à Espanha em segunda mão) para circular em território espanhol. Quanto à locomotiva, a Renfe tem algumas da série 252 que possuem bi-tensão e que poderiam rebocar o comboio entre o Porto e Vigo (embora necessitassem, também elas, de uma certificação para atravessar a fronteira).