Atraso na electrificação deixa empresas ferroviárias mais expostas aos preços do gasóleo
16/03/2022 06:59 - Público

CP, Medway e Takargo gastam anualmente 22 milhões de litros de gasóleo na sua actividade. Electrificação da rede ferroviária avança muito lentamente.

Atraso na electrificação deixa empresas ferroviárias mais expostas aos preços do gasóleo

Na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, as operadoras ferroviárias viram-se também confrontadas com um aumento súbito dos seus custos de produção devido ao aumento dos preços dos combustíveis. A CP gasta anualmente 8 milhões de litros de gasóleo, a Medway 6,9 milhões e a Takargo 7,1 milhões. A Fertagus, que opera entre Lisboa e Setúbal, não tem material circulante a diesel.

Para a CP, que em 2021 gastou 4,2 milhões de euros em gasóleo, o aumento do preço desta matéria-prima está a ter “um impacto significativo na tesouraria da empresa”, pelo que “a CP está a acompanhar a evolução desta situação e a avaliar os seus impactos em conjunto com a tutela governamental”.

Apesar de dois terços da rede ferroviária estar electrificada, a CP percorre anualmente 4,5 milhões de quilómetros com material a diesel, sobretudo em linhas não electrificadas. Para isso possui uma frota composta por 50 automotoras e 11 locomotivas com tracção diesel, sendo que, por estar bastante envelhecida, tem níveis de consumo elevados. A tracção a diesel representa 17,5% dos gastos totais com tracção (os restantes 82% são gastos em tracção eléctrica).

A progressiva electrificação da rede ferroviária, prevista no Ferrovia 2020 – e que já soma três anos de atrasos – poderá melhorar a situação, mas fonte oficial da empresa destaca as vantagens da compra de novos comboios: “Perspectiva-se que o material a adquirir seja significativamente mais eficiente do que o actual material a diesel, contribuindo para uma exploração mais eficiente, quer do ponto de vista dos custos de exploração, quer do conforto dos clientes.”

Medway e Takargo

A Medway gasta anualmente 6,9 milhões de litros de gasóleo para percorrer 1,4 milhões de quilómetros (dos quais 700 mil são efectuados em Espanha, pois a empresa opera também no país vizinho). A sua frota inclui 28 locomotivas a diesel, das quais 12 são dedicadas às operações de manobra e 16 à actividade de transporte ferroviário. A factura da tracção a diesel representa 26% do total da sua factura energética, “valor que é penalizado pela actividade desenvolvida em Espanha, que é maioritariamente efectuada em tracção a diesel”, explica o administrador da empresa, Carlos Vasconcelos.

Em Portugal, o grosso dos comboios a diesel desta empresa opera no percurso entre as minas de Neves Corvo e Setúbal e na Linha do Leste (Entroncamento-Badajoz), sendo praticamente todos os outros percursos realizados com locomotivas eléctricas. A empresa diz que, “ao nível dos custos operacionais, o aumento [do preço] do gasóleo (à data) tem um impacto adicional de 15%, a que corresponde um incremento de 1,5 milhões de euros” por ano.

Por sua vez, a Takargo diz que em 2021 percorreu 2 milhões de quilómetros, dos quais 1,2 milhões nas linhas férreas portuguesas e 800 mil em Espanha. O seu administrador, Miguel Lisboa, diz que “a Takargo opera uma frota de 17 locomotivas interoperáveis, entre locomotivas próprias e locomotivas alugadas em pool para as operações ibéricas”. Esta empresa depende inteiramente da tracção a diesel porque não possui nenhuma locomotiva eléctrica.

“O impacto do aumento [do preço] do gasóleo está a ser muito significativo, implicando prejuízos de várias centenas de milhares de euros, uma vez que estes incrementos de custo não se conseguem fazer repercutir integralmente nos preços acordados com os nossos clientes”, diz Miguel Lisboa.

A empresa explica ainda a opção por uma frota inteiramente a diesel: “É a única que actualmente permite a interoperabilidade entre as redes portuguesa e espanhola e, consequentemente, a oferta de soluções de transporte, entre os dois países, de grande eficácia e eficiência.”

A Takargo diz que “futuras soluções 100% eléctricas estão ainda dependentes da electrificação de alguns troços críticos da rede ibérica, seja nas zonas de fronteira, seja nas ligações a terminais e portos, garantindo, assim, uma verdadeira interoperabilidade em modo eléctrico”. Por isso, “o plano de investimentos em locomotivas eléctricas estará alinhado com os prazos de implantação destas condições necessárias”.

A electrificação da rede ferroviária é também sublinhada pela Medway. “Representa uma expectativa positiva em termos de redução dos custos energéticos e possibilita um incremento da actividade ferroviária e da qualidade do serviço prestado”, refere Carlos Vasconcelos, que destaca também “os benefícios, em termos ambientais, que representam um valor acrescentado nesta matéria e se enquadram na nossa estratégia da sustentabilidade ambiental”.

O administrador alerta ainda que a própria construção e manutenção da infra-estrutura ferroviária está ainda fortemente dependente da tracção a diesel, pelo que “o aumento significativo do custo do gasóleo afecta a competitividade da ferrovia e limita a sua possibilidade de expansão”.

Decisivo para o transporte ferroviário de mercadorias é a construção da linha Évora-Elvas, que vai permitir encurtar em 140 quilómetros (280 numa ida e volta) a ligação dos portos de Setúbal e de Sines a Badajoz, com a vantagem de se usarem comboios eléctricos, em alternativa à actual ligação pela Linha do Leste, que não está electrificada. Deveria ter sido concluída em 2019, mas os trabalhos ainda vão a meio.

A falta de infra-estrutura modernizada levou já a Medway a deixar de transportar cimento das fábricas de Pataias e Maceira-Liz porque a Linha do Oeste não está electrificada.

O Ferrovia 2020 previa electrificar 334 quilómetros de vias-férreas entre 2016 e 2020, mas só 105 foram electrificadas.