Comboio Entroncamento – Badajoz é caso de estudo nas relações internacionais para a Comissão Europeia
03/03/2022 07:01 - Público

“A Extremadura e o Alentejo dependem muito do seu governo central para tomar decisões sobre a mobilidade transfronteiriça”, conclui relatório europeu.

Comboio Entroncamento – Badajoz é caso de estudo nas relações internacionais para a Comissão Europeia

Uma série de 31 estudos da Comissão Europeia, designados “Fornecer transportes públicos em regiões transfronteiriças – Mapeamento dos serviços existentes e obstáculos legais”, contempla o caso específico da ligação Entroncamento – Badajoz, na qual a baixa densidade populacional das regiões do Alentejo e Extremadura e a sua dependência dos centros de decisão em Lisboa e Madrid são explicações para a sua fraca procura e fraca oferta.

A razão principal é, contudo, o facto de só haver um comboio por dia em cada sentido. Uma velha automotora sai do Entroncamento de manhã, às 10h24, e chega a Badajoz às 16h24 (hora espanhola), de onde regressa duas horas depois.

Uma oferta que não cria mobilidade porque “quem quer que vá, onde quer que vá nessa linha, tem que ficar para o dia seguinte, ou voltar algumas horas depois na próxima travessia”. Por exemplo, é impossível a realização de viagens casa-trabalho ou casa-escola entre Portalegre, Elvas e Badajoz.

Outros motivos que impedem uma maior procura transfronteiriço são a falta de transportes públicos para aceder às estações ferroviárias (sobretudo em Portalegre e Elvas). Desta forma é impossível ao comboio concorrer com “o transporte alternativo mais flexível por autocarro transfronteiriço e de longa distância, os serviços de táxi e o carpooling [boleias partilhadas]”

Tudo isto é muito óbvio para explicar a fraca procura de um serviço que só tem um comboio diário em cada sentido. Por isso a Comissão Europeia vai mais longe e tenta identificar as razões que impedem uma melhoria do transporte internacional entre o Alentejo e a Extremadura. E uma delas foi a “decisão política de encerramento do serviço em 2012 [durante o governo Passos Coelho e no âmbito da intervenção da troika] considerando que o transporte automóvel é uma solução mais eficiente para a mobilidade regional”. O relatório cita os comunicados de imprensa da CP, à época, que apresentavam “a solução rodoviária como a mais adequada para assegurar a mobilidade regional, tanto em termos de sustentabilidade económica como do ponto de vista ambiental".

A Comissão diz que “este parecer pode ainda influenciar a actual limitação a apenas um serviço por dia entre Entroncamento e Badajoz, mesmo que a linha tenha sido reactivada em 2017”.

O relatório queixa-se ainda da “falta de informação para analisar a procura e estabelecer custos e benefícios potenciais” desta ligação e constata a “ausência de iniciativas locais e regionais para formular a procura de mais e melhores serviços ferroviários transfronteiriços”. Uma situação que deriva de “a Extremadura e o Alentejo dependerem muito do seu governo central para tomar decisões sobre mobilidade transfronteiriça”.

Excepção a esta letargia cívica para este problema é a iniciativa Eurociudad por parte dos municípios de Badajoz, Elvas e Campo Maior, que abordou a mobilidade laboral transfronteiriça, e o Corredor Sudoeste Ibérico, um movimento que pretende dar uma nova centralidade ao território entre Lisboa e Madrid, mas que se foca mais no transporte internacional de longa distância do que propriamente nas relações curtas transfronteiriças.

O documento diz que “dadas as deficiências estruturais e a baixa densidade populacional na região fronteiriça, é difícil para a população empenhar e unir recursos para um melhor transporte transfronteiriço”. Acresce a percepção dos agentes locais de que “a solução não parece residir na própria região fronteiriça, mas sim nos governos centrais, intervenientes de fora da região”.

É por isso que, apesar de haver a percepção de que existe hoje “uma procura de um serviço mais frequente entre Entroncamento e Badajoz com ligações de manhã, ao meio-dia e à noite, ou pelo menos com ligações mais frequentes na área fronteiriça entre Elvas e Badajoz, nenhum actor público ou privado parece assumir a liderança para responder a essa exigência”.

A Comissão conclui que “um maior envolvimento da sociedade civil poderia reforçar a consciência política e o empenhamento no sentido de uma melhor mobilidade transfronteiriça” e diz que o movimento Eurociudad poderia “reunir massa crítica suficiente para solicitar às empresas ferroviárias estatais um melhor serviço transfronteiriço ou propor soluções alternativas”. Prioridade: Badajoz

O caminho-de-ferro chegou a Badajoz ainda antes de chegar ao Porto. No Portugal oitocentista a prioridade era que a “viação acelerada”, como então se chamava ao comboio, chegasse a Espanha para ligar os portos portugueses ao país vizinho. Por isso, a linha do Leste chegou a Badajoz em 1863, dez anos antes de a linha do Norte atravessar o Douro para Campanhã.

Durante décadas, Elvas/Badajoz foi a principal ligação transfronteiriça ferroviária, até mesmo depois da construção, em 1879, do ramal de Cáceres que encurtou a distância para a capital espanhola. Durante grande parte do século XX Badajoz era servida por três comboios diários em cada sentido vindos directamente de Lisboa. No entanto, a CP viria a desqualificar esta relação internacional, que passou a ser feita com comboios regionais a partir do Entroncamento.

Em 2000 já só havia um comboio em cada sentido a chegar a Badajoz. Em 1 de Janeiro de 2012 todo o serviço de passageiros foi suspenso entre Abrantes e Elvas. Entre 2015 e 2017 voltou a existir um comboio nos dois sentidos, mas só aos fins de semana e entre Portalegre e o Entroncamento. O serviço para Badajoz teve de esperar até Agosto de 2017, passando a ser diário.

Com a suspensão do Lusitânia Expresso e do Sud Expresso, que passavam por Vilar Formoso, Portugal passou a ter comboios internacionais apenas entre o Porto e Vigo e entre Entroncamento e Badajoz. O próprio relatório da Comissão Europeia refere que, apesar da fraca oferta deste último, os seus passageiros têm ligações aos comboios para o Porto, Lisboa, Coimbra e Aveiro e, do lado espanhol, para Mérida, Cáceres, Plasencia, Madrid e Sevilha.