A triste história dos atrasos da modernização da Linha do Oeste
11/01/2022 22:30 - Gazeta das Caldas

Obras entre Meleças e Torres Vedras começaram há um ano, mas já estão 12 meses atrasadas. E para as Caldas da Rainha ainda nem começaram…

A triste história dos atrasos da modernização da Linha do Oeste

Devagar, devagarinho. A modernização da Linha do Oeste avança ao mesmo ritmo dos comboios que nela circulam: lentamente e com atrasos. Foi em novembro de 2020 que a Infraestruturas de Portugal (IP) assinou com o consórcio Gabriel A. S. Couto, SA/M. Couto Alves, SA/Aldesa Construcciones, SA as obras de requalificação do troço entre Meleças e Torres Vedras. Um investimento de 61,7 milhões que prevê a eletrificação integral daqueles 43 quilómetros de via férrea e a construção de dois troços de via dupla, um de 10 quilómetros e outro de 6 quilómetros. O contrato prevê que as obras estejam terminadas em 15 de novembro de 2022, mas vai ser necessário, pelo menos, mais um ano para concluir a empreitada. Se estas continuarem a derrapar e os trabalhos só estiverem terminados em 2024, perdem-se parte dos fundos comunitários. As más notícias não acabam aqui. Falta ainda o troço entre Torres Vedras e Caldas da Rainha, o tal para o qual deveria ter sido lançado o concurso público em novembro de 2019, tal como prometeu o secretário de Estado dos Transportes, Jorge Delgado, numa reunião com os autarcas que teve lugar na OesteCIM em julho desse ano. Só em novembro de 2021 é que o troço foi adjudicado, ao consórcio Ramalho Rosa Cobetar/FCC/Convence e a consignação só deverá ocorrer no primeiro trimestre de 2022, pelo que também estas obras arriscam-se a ultrapassar 2023 e a perderem-se os fundos comunitários do Compete 2020. De acordo com o programa Ferrovia 2020, apresentado em 2016 pelo primeiro Governo de António Costa, a Linha do Oeste deveria ter sido modernizada entre dezembro de 2017 e julho de 2020. Contudo, em rigor só estamos a falar de meia linha, porque apenas o troço Meleças-Caldas da Rainha foi contemplado. A IP, ainda assim, resolveu cortar ao meio essa metade da Linha do Oeste dividindo-a em dois subtroços: Meleças-Torres Vedras (exclusive) e Torres Vedras (inclusive)-Caldas da Rainha. O “exclusive” significa que o empreiteiro que ganhou o concurso do primeiro subtroço só eletrificará a linha até à entrada da estação de Torres Vedras. Se as obras daí para as Caldas não estiverem concluídas, corre-se o risco de a linha estar eletrificada até às portas de Torres e nela não poderem circular comboios elétricos. Se isso acontecer, ter-se-ão investido milhões de euros para instalar postes e catenária sob a qual continuarão a circular comboios a diesel. Tudo se jogará na velocidade com que a empreitada entre Torres Vedras e Caldas será feita. Se esta se atrasar mais do que a do troço sul, é bem possível que a electrificação até Torres Vedras não seja integralmente aproveitada enquanto não terminar a empreitada até às Caldas. Quando tudo isto terminar, lá para 2023 ou 2024, nem se obterão grandes ganhos de tempo nas viagens entre Caldas e Lisboa, que, segundo a IP, deverão demorar 1 hora e 29 minutos. Deverá ser menos porque os cálculos foram feitos tendo por base as atuais automotoras UTE (Unidades Triplas Eléctricas) e a CP deverá, entretanto, comprar material elétrico mais moderno. A viagem mais rápida, com paragem em Bombarral, Torres Vedras, Malveira e Cacém, poderá reduzir-se a 1 hora e 20 minutos. Mas será sempre superior ao autocarro, pois quer as Rápidas quer os Expressos demoram menos tempo a chegar a Lisboa, beneficiando do traçado da A8 que vai diretamente a Loures e é mais curto do que o da Linha do Oeste que dá uma volta pelo concelho de Sintra antes de chegar à capital. Deste modo, a competitividade do modo ferroviário pouco ganhará com estas obras. A obra é uma modernização low cost, pouco ambiciosa, que não procurou aumentos de velocidade através da rectificação de curvas. O traçado do século XIX vai manter-se igual. Ainda assim, aquilo que, segundo o Ferrovia 2020 deveria custar 107 milhões de euros, vai custar seguramente mais. Não foram só os prazos das obras a derrapar – o orçamento também derrapou. Só a empreitada até Torres Vedras já custou 61,7 milhões e não inclui a instalação de sistemas de sinalização eletrónicos. O segundo troço até às Caldas já foi adjudicado, mas a IP não divulgou o valor.

Ligação a Norte das Caldas da Rainha ainda suscita muitas dúvidas Ministério das Infraestruturas não é claro sobre o que pretende dizer com “modernização” da Linha do Oeste

O somatório de erros e de atrasos na modernização da Linha do Oeste na ligação das Caldas da Rainha a Lisboa poderia servir de lição para a abordagem que a Infraestruturas de Portugal vier a fazer no projeto a Norte das Caldas da Rainha, mas há muitas dúvidas sobre o que acontecerá numa linha que, até Pombal, atravessa os concelhos de Alcobaça, Nazaré, Marinha Grande e Leiria. Falta modernizar o troço até ao Louriçal, mas se for só para eletrificar e se não fizer uma verdadeira intervenção na infraestrutura para que os comboios sejam mais rápidos e as distâncias se encurtem, então estaremos perante mais uma modernização que poderá ser apelidada de “low cost” e que não trará grande competitividade ao comboio. O PNI2030 refere apenas que será realizada a “modernização e eletrificação do troço Caldas da Rainha-Louriçal da Linha do Oeste”. A Gazeta das Caldas solicitou esclarecimentos ao Ministério das Infraestruturas sobre o que significa “modernização” aplicado à ferrovia. A resposta foi a seguinte: “No âmbito do Acordo de Parceria o termo “modernização” é utilizado de forma genérica, significando “eletrificação + instalação de sistemas eletrónicos de sinalização” e também contempla, nos casos concretos em que tal se venha a verificar viável, “retificações de traçado para se conseguir reais aumentos de velocidade que não os resultantes da simples mudança de tração” (…) “Sem prejuízo da tipologia de intervenções a estabilizar para cada uma das acções em concreto, a “modernização” da infraestrutura ferroviária passará pela eletrificação e reabilitação da via, construção de novos troços, incluindo variantes a traçados atuais, duplicação de via e modernização do sistema de sinalização e comunicações”, sublinha o Ministério. O futuro dirá se estes conceitos terão aplicação prática na linha do Oeste a Norte das Caldas da Rainha.