Obras do Ferrovia 2020 preocupam operadores
04/11/2021 16:41 - Transportes & Negócios

As obras do Ferrovia 2020 prometem dois anos difíceis para os operadores do transporte ferroviário de mercadorias, que ainda não têm garantidas, preto no branco, as compensações prometidas.

Obras do Ferrovia 2020 preocupam operadores

O Governo e a Infraestruturas de Portugal garantem que o Ferrovia 2020 estará concluído em 2023, mas isso implica uma concentração de obras num curto espaço de tempo, o que preocupa os operadores ferroviários e logísticos. O tema esteve em análise no Seminário de Transporte Ferroviário do TRANSPORTES & NEGÓCIOS.

Álvaro Fonseca (Takargo) disse esperar que “os prazos se cumpram”, até porque os operadores já começam a sentir alguns dos impactos das obras, nomeadamente na linha da Beira Alta. “Já temos problemas com o comprimento dos comboios, em breve passaremos a ter problemas com canais-horário de circulação, no início de Janeiro vamos ter o encerramento da linha ao fim-de-semana e em Abril irá dar-se o encerramento total da linha. Vai ser uma situação muito difícil e não será só na Beira Alta, será em Sines, em Vendas Novas… vai ser um pandemónio em termos de gestão ferroviária e de capacidade das linhas, coordenação do canais e eficiência dos comboios”. Álvaro Fonseca disse ainda que o processo que levará a IP a ressarcir os operadores dos efeitos que as obras terão na actividade ainda “não está fechado e a nossa expectativa é termos isso clarificado no mais curto espaço de tempo, porque os serviços vão deixar de ser economicamente viáveis. Por isso terá de existir uma forma de compensação directa”.

Na mesma linha, Carlos Vasconcelos (Medway) adiantou que «vêm aí dois anos muito difíceis para a ferrovia mas são as chamadas “dores de parto”. O país esteve 60 anos parado e finalmente resolveu avançar para obras há muito necessárias e fundamentais, e isso gera dores para todos os que operam ou dependem da ferrovia. Queremos acreditar que os prazos vão-se cumprir, internamente estamos preparados para as dificuldades que vamos ter, mas também temos de assegurar que o impacto desta situação seja neutro para o cliente, porque não terá de pagar mais um cêntimo por todas as dificuldades que vão surgir. Até agora a posição da tutela e da IP é que isso não se vai verificar”.

A promessa da IP de a conclusão do Ferrovia 2020 resultar numa redução dos custos de operação na ordem dos 30-50% levanta sérias dúvidas a Carlos Vasconcelos: “Das duas uma. Ou nós não sabemos fazer contas ou os critérios a que a IP está a recorrer para fazer estes cálculos não terão uma total correspondência à realidade. Mas isso é um problema nosso, o que me interessa é ter as obras feitas, ter as vias eléctricas a funcionar e com capacidade para [comboios de] 750 metros”.

Os constrangimentos gerados pela execução do Ferrovia 2020 também têm afectado consideravelmente a atividade da KLOG, conforme relatou o seu diretor-geral. “Há uma redução clara da eficiência decorrente das obras na linha da Beira Alta. Atualmente estamos a fazer oito comboios internacionais por semana e a gerir cerca de 1000 cargas/mês; tínhamos tudo programado para aumentarmos para uma quinta frequência, para termos uma ligação diária com a Catalunha, e teríamos 10 comboios por semana nos dois sentidos. O facto de termos de reduzir os slots do comboio de 34 para 30, mais as distâncias acrescidas por virmos pela Linha da Beira Baixa, fez com que deixássemos de ser eficientes e perdemos objetivamente 20% da nossa rentabilidade neste projecto”, ressalvou Egídio Lopes.

O responsável disse que a KLOG trabalhou e tentou antecipar a situação nos últimos dois anos, falando com a IP e os parceiros, mas “aquilo que estamos a ver é que não há respostas concretas ao problema, apesar de existir boa-vontade”.

Os efeitos do pós-pandemia (apesar de ainda a estarmos a viver) já se fazem sentir no transporte ferroviário de mercadorias, nomeadamente devido às disrupções logísticas que afectam os transportes um pouco por todo o Mundo. E o mercado português, não tem sido exceção. Segundo Álvaro Fonseca, “dividimos a pandemia em duas partes. Na primeira sentimos um forte impacto em alguns sectores de actividade, porque houve indústrias que pararam por completo. Numa segunda fase, conseguimos trabalhar com alguma normalidade e a quebra não foi tão pronunciada. Neste período de pós-pandemia notamos que há um acelerar da economia mas também existe um conjunto de disrupções, nomeadamente na área do transporte marítimo e no sector da energia, com o aumento dos custos dos combustíveis”.

Carlos Vasconcelos concordou com o seu “concorrente” directo e fez questão de salientar que a “disrupção no mercado de contentores e da energia” está a condicionar toda a actividade, nomeadamente através do aumento de custos. Já Lucas Teixeira, salientou que no caso do SPC os efeitos da pandemia não se repercutiram nos resultados de exploração da empresa, numa primeira fase. No entanto, agora “com a disrupção no transporte marítimos estamos a ser mais afectados, porque estes desafios estão a ter impacto nas cadeias logísticas”. Egídio Lopes, da KLOG, disse que “experienciámos o mesmo que os restantes operadores” apesar de na segunda metade de 2020 se ter registado uma grande recuperação. “Em 2021 sentimos uma nova quebra mas a partir do segundo trimestre conseguimos aumentar a nossa actividade fruto da actividade internacional, além Pirinéus, com um volume de negócios 20% acima do verificado em 2019 e 2020”.

Diogo Castro, da Yilport Iberia, realçou que o operador turco de terminais marítimos está a olhar para o transporte ferroviário e para a gestão de terminais ferroviários. O director de Logística da Yilport disse que “No departamento do intermodal, estamos a desenvolver uma rede ferroviária de acesso aos nossos terminais portuários permitindo aos nossos clientes uma maior flexibilidade de escolha modal. O objectivo é transformar os nossos terminais marítimos em terminais ferroviários. E nesse aspecto, por exemplo, os nossos terminais, principalmente os de Lisboa (Sotagus) poderão suprir as necessidades que existem e vão existir com a deslocalização da Bobadela. Poderá ser uma solução. Temos espaço e serviços de apoio”.

Sobre os terminais ferroviários, Lucas Teixeira, entende que “havia bondade no modelo de concessão da Bobadela” e dos outros terminais ferroviários, mas criticou os anos de concessão estabelecidos pela IP e também o próprio modelo de concessão, em que o número de comboios realizados bonifica o valor a pagar pela concessão. Por outro lado, referiu que “esta é uma boa altura para pensarmos o que é da iniciativa privada e o que é do perímetro empresarial público. Esta confusão desencoraja quem cá está e faz investimentos (…) quando temos um mercado que tem pouca escala fica complicado para os privados concorrer com as empresas públicas”. Lucas Teixeira referiu que o anúncio feito pela APDL, sobre a entrada no mercado da gestão de portos secos, é uma ideia positiva “na ótica de poder vir a aumentar o seu hinterland e estender uma rede de plataformas no interior para ir buscar mais cargas. Espero que depois convidem o sector privado para participar nesse desafio”, disse

Diogo Castro concordou com o seu colega de painel e adiantou que a Yilport tem vindo a fazer um grande esforço para que os períodos das concessões dos terminais ferroviários ou marítimos sejam cada vez mais longos, de modo a justificar os investimentos realizados. Egídio Lopes sustentou que, no caso dos terminais, “aquilo que pedimos é que sejam mais eficientes”, salientando que a falta de eficiência dos terminais ferroviários, nomeadamente no segmento B2C, leva à perda de competitividade do transporte ferroviário em relação ao transporte rodoviário. “Hoje os centros logísticos que vão distribuir mercadorias B2C necessitam de serviços 7 dias por semana e estarem abertos 24 horas, principalmente ao fim-de-semana, porque actualmente a distribuição é feita todos os dias», reforçou.