Barraqueiro vai usar carruagens espanholas Talgo para operar entre Braga e Faro
18/10/2021 06:53 - Público
CP diz que proposta da Barraqueiro pôe em causa o equilíbrio financeiro da empresa estatal e aponta impossibilidades técnicas na operação.
A B-Rail, empresa do grupo Barraqueiro, que pretende tornar-se o primeiro operador ferroviário de longo curso em Portugal, deverá alugar ou comprar carruagens a Espanha para os seus percursos entre Braga e Faro. Tratam-se das carruagens Talgo, idênticas aquelas que até há um ano e meio faziam o Sud Expresso e o Lusitânia Expresso, conhecidas por serem invulgarmente baixas e curtas. Em vez de uma “caixa” que assenta num conjunto de rodados (bogies) em cada extremidade, estas carruagens partilham um único rodado com a carruagem seguinte, diminuindo assim o peso e o atrito de toda a composição.
Os comboios Talgo são uma das imagens de marca dos caminhos-de-ferro espanhóis, inclusive na alta velocidade, mas as séries de material convencional foram sendo desafectadas porque a Renfe praticamente abandonou o serviço regional e de longo curso. Como consequência, há hoje dezenas de composições Talgo paradas em Espanha, algumas das quais deverão ter uma segunda vida em Portugal ao serviço da B-Rail.
Esta empresa notificou a AMT (Autoridade da Mobilidade e dos Transportes) que pretende operar 24 comboios diários (12 em cada sentido) entre Lisboa e Porto. Seis desses comboios realizam-se entre Braga e Lisboa (três em cada sentido) e quatro entre o Porto e Faro (dois em cada sentido). O prazo da operação é, no mínimo, de 20 anos.
A proposta indica que as composições serão formadas por carruagens rebocadas por locomotivas da série 5600 (iguais às da CP no serviço de longo curso) e que os comboios terão uma velocidade máxima de 190 km/h (o que é compatível com as carruagens Talgo VI, entretanto encostado em Espanha).
A Medway possui quatro locomotivas 5600, mas fonte oficial desta empresa diz que “não temos qualquer acordo negociado com a B-Rail”. Estando fora de questão usar material do concorrente directo CP, resta à nova operadora ir tentar em Espanha alugar ou comprar locomotivas 252, que são idênticas às portuguesas 5600. Contudo, será necessário proceder a alterações pois estas estão aptas para receber energia da catenária a 3000 volts e não nos 25 mil volts da rede eléctrica portuguesa.
Na proposta entregue à AMT, a B-Rail Mobilidade Ferroviária, que já tem licença de operador, propõe-se fazer Lisboa – Porto em 2 horas e 41 minutos e Porto – Faro em 5 horas e 29 minutos. Mas os horários contêm erros facilmente identificáveis porque, em alguns casos, conseguem a proeza de partir mais tarde do que os comboios da CP na estação de origem e chegarem mais cedo à estação de destino.
Entre o Porto e Lisboa os horários incluem paragens em Aveiro, Coimbra e Oriente, mas a estação términus será Sete Rios, numa solução inovadora que proporciona mais centralidade aos passageiros que embarcam e desembarcam na capital.
O PÚBLICO apurou que a IP – Infraestruturas de Portugal já fez saber que não tem disponibilidade para os 12 canais horários em cada sentido, o que não surpreende os responsáveis da Barraqueiro, que já contavam com isso. A estratégia da empresa é conseguir já os canais possíveis por forma a começar a operar a 1 de Janeiro de 2023 e depois criar músculo para aumentar as suas frequências. No horizonte, porém, está a alta velocidade, verdadeiro filet mignon no mercado de passageiros entre Lisboa e Porto, para o qual o grupo de Humberto Pedrosa se pretende posicionar.
O facto de não avançar já com a compra de comboios de alta velocidade significa que não estão seguros que este projecto venha realmente a concretizar-se. “Ver para crer” e depois investir, é a metodologia adoptada pela Barraqueiro.
CP pede teste de equilíbrio económico
Há ainda outras questões técnicas: quem fará, e em que local, a manutenção dos comboios da B-Rail? Onde é que as locomotivas irão inverter a marcha se para tal não há espaço na estação de Sete Rios?
Perguntas que estão sem resposta, mas que poderão ser o menor dos problemas num negócio que tem imensas barreiras à entrada, entre as quais a resistência do operador incumbente CP. A operadora estatal entregou na AMT um pedido de realização do Teste de Equilíbrio Económico, que se encontra numa fase de análise, disse ao PÚBLICO fonte oficial do regulador.
A CP, que é obrigada a operar com prejuízo em linhas secundárias no âmbito do seu contrato de serviço público com o Estado, diz que a disputa do mercado no eixo em que este é verdadeiramente rentável (Braga – Porto – Lisboa – Faro) coloca em causa o seu equilíbrio económico. O regulador terá de se pronunciar sobre as razões da empresa pública e as razões da Barraqueiro num quadro de liberalização do sector. Mas terá de ser célere a decidir sob pena de Humberto Pedrosa vir a juntar-se a Mário Ferreira (que há anos tenta pôr, sem êxito, o seu comboio turístico a circular na linha do Tua) nas queixas sobre o bloqueio administrativo e burocrático das autoridades do sector.