IP lança a 15 de janeiro primeira fase da alta velocidade Lisboa-Porto
11/11/2023 07:03 - Dinheiro Vivo
Primeiros 71 quilómetros não ficarão prontos antes de 2030. Está em estudo a redução para 250 em vez de 300 Km/h. Em 2024, CP lança concurso para comprar pelo menos 14 comboios para este serviço.

Dia 15 de janeiro de 2024 será posta a concurso público a primeira etapa da nova linha de alta velocidade entre Lisboa e Porto. Neste dia, abrem as candidaturas para a construção dos 71 quilómetros entre Porto-Campanhã e Oiã, em Aveiro, segundo anúncio enviado no início da semana pela Infraestruturas de Portugal (IP) ao Jornal Oficial da União Europeia. O percurso faz parte da primeira fase da nova linha de alta velocidade, entre Porto e Soure.
O concurso prevê uma concessão da linha por 30 anos, dividida em duas fases e em regime de parceria público-privada: os primeiros cinco anos serão dedicados à conceção, projeto, construção e financiamento da infraestrutura; nos restantes 25 anos, o concessionário ficará responsável pela manutenção e disponibilização da linha, recebendo pagamentos de disponibilidade. Considerando os prazos necessários de adjudicação e consignação prévios ao início das obras, este troço nunca estará a funcionar antes de 2030.
O contrato prevê uma nova ponte rodoferroviária sobre o Douro, ligações à Linha do Norte, em Canelas, com 17 km de extensão, a adaptação da Estação de Campanhã, uma nova estação em Santo Ovídio (Vila Nova de Gaia), subterrânea, e uma subestação em Estarreja. Fora do concurso estarão a manutenção dos edifícios das estações de Campanhã e de Santo Ovídio, que serão geridas pela IP.
O pré-anúncio do concurso não inclui o orçamento para os primeiros 71 quilómetros da nova linha. Em maio, a IP antecipava uma verba de 1,65 mil milhões de euros, dos quais 500 milhões financiados por fundos europeus. O resto do orçamento "será financiado através de contratos de concessão da conceção, construção, manutenção e financiamento", escreveu a gestora de infraestruturas no documento da consulta pública.
Na estação de Campanhã, prevê-se a adaptação das atuais linhas 8 a 11 atuais e respetiva ligação às linhas do Norte e do Minho. A nova estação de Santo Ovídio será construída a 55 metros de profundidade e terá ligação, à superfície, com a estação do Metro do Porto. Falta ainda saber quando será lançado o concurso público para o subtroço entre Oiã e Soure. Assim que estas obras estiverem concluídas, haverá 19 comboios de alta velocidade por dia e por sentido entre Porto e Lisboa.
O envio de um pré-anúncio antes do lançamento do concurso público é uma forma de dar mais informações a potenciais interessados e de acelerar o processo. O procedimento foi seguido pela Metro do Porto no início deste ano por causa da construção da nova Linha Rubi.
Menos velocidade
O projeto para a nova linha Porto-Lisboa prevê que os comboios possam circular a 300 quilómetros por hora (Km/h) em bitola ibérica. No entanto, está em marcha um contrato para estudar a viabilidade económico-financeira do projeto nos cenários de procura e oferta caso a velocidade máxima da linha passe para os 250 Km/h. O pedido foi feito à IP pela unidade que gere as parcerias público-privadas. A IP assinou esta semana um contrato de ajuste direto com a consultora TIS para estudar este cenário, segundo documento publicado no portal Base. A análise tem de ficar pronta até meados de dezembro, antes do lançamento do concurso público internacional.
A redução da velocidade máxima aumenta o tempo de viagem em 15 minutos nas duas fases da construção da linha. Neste cenário, Porto e Lisboa ficariam a duas horas e 15 minutos (em vez de duas horas) assim que estivesse concluída a primeira fase da nova linha (Porto-Soure); pronta a segunda etapa (Soure-Carregado), o comboio demoraria uma hora e meia entre Porto e Lisboa (em vez de uma hora e 15 minutos).
A aposta numa linha a 250 Km/h permitiria, por outro lado, a utilização de comboios de mercadorias, nomeadamente no período noturno, quando já não houvesse serviço de passageiros. Ao utilizar um percurso à parte da Linha do Norte, os vagões de mercadorias poderiam circular a velocidade estável, a mais de 100 Km/h, reduzindo custos de operação e contribuindo para retirar mais camiões do asfalto.
Construir uma linha de alta velocidade apta para comboios de mercadorias é exatamente a proposta para a Linha de Trás-os-Montes, entre Porto e Zamora: além de serviço de passageiros entre 160 e 250 Km/h, prevê-se que as composições de carga circulem sempre a 120 Km/h. Ao juntar passageiros e mercadorias na mesma linha, o projeto teria uma análise custo-benefício mais benéfica, aumentando o retorno do investimento, atualmente estimado em 4,5 mil milhões de euros.
Além do estudo para uma linha a 250 Km/h, o contrato da IP com a consultora TIS inclui um pedido para avaliar o impacto da alteração dos custos de utilização de meios de transporte concorrentes, como os carros elétricos, os autocarros do tipo expresso e os aviões.
Concurso para 14 comboios
Enquanto se estuda qual a velocidade máxima da nova linha, será em 2024 que a CP vai lançar o concurso para a compra de 14 comboios de alta velocidade. Depois do saneamento da dívida histórica, a empresa pública ferroviária estará finalmente em condições para poder responder à provável concorrência para as novas linhas entre Lisboa e Porto e entre Porto e Vigo. Poderá ainda ser acionada uma opção de aquisição de mais 12 unidades.
"Em 2024, a CP lançará o concurso para aquisição de 14 comboios de alta velocidade, mais unidades opcionais", assim escreve o Ministério das Infraestruturas na nota explicativa do Orçamento do Estado para 2024. A nota foi publicada na noite de quarta-feira, já depois da demissão do primeiro-ministro e de se saber que João Galamba terá sido constituído arguido na operação que investiga os processos do lítio e do hidrogénio.
O lançamento do concurso público para a compra de comboios de alta velocidade tem sido anunciado desde 2021, mas esteve sempre pendente da "limpeza" do passivo histórico da transportadora, concluída há precisamente um mês. Sem essa operação, a CP não tinha como pedir um empréstimo bancário para financiar a compra de novas unidades, que poderão circular a 300 Km/h. O serviço de alta velocidade é estritamente comercial e terá concorrência, pelo que não tem direito a financiamento do Estado.
Anteriormente, previa-se que a CP avançasse para a compra de 12 comboios de alta velocidade, no valor de 336 milhões de euros. Ao acrescentar duas unidades, o orçamento da encomenda deverá aumentar para 392 milhões de euros, segundo cálculos do Dinheiro Vivo. Se for acionada a opção por mais 12 comboios, o preço-base do concurso público ascenderá aos 650 milhões, conforme consta da apresentação do Programa Nacional de Investimentos para 2030, datada de outubro de 2020.
Próximas etapas
O reforço do material circulante, no entanto, tem-se revelado um processo moroso, atendendo aos últimos dois exemplos. A compra de 22 novos comboios regionais foi aprovada pelo Governo em setembro de 2018, mas apenas em outubro de 2021 é que a CP finalmente pôde fazer a encomenda aos suíços da Stadler. As primeiras unidades só vão chegar em outubro de 2025, sete anos depois da primeira etapa. A aquisição de 117 novos comboios para o serviço urbano e regional foi autorizada em Conselho de Ministros em julho de 2021, o concurso público foi lançado em dezembro desse ano e o vencedor só deverá ser anunciado no final de 2023. Faltará ainda o visto do Tribunal de Contas e que não haja nenhuma impugnação na justiça. Para já, a primeira destas unidades deverá chegar em 2026, cinco anos depois do sinal de partida do Governo.
Pelo menos, o primeiro dos novos comboios de alta velocidade tem de chegar em 2029, atendendo a que é necessário cerca de um ano para a homologação e ensaios do material para a CP. Também em 2029, prevê-se que já esteja a funcionar a primeira parte da nova linha de alta velocidade, entre Porto e Soure, no valor estimado de 2,950 mil milhões de euros e construída em bitola ibérica. Nessa altura, a viagem entre Porto e Lisboa demorará cerca de duas horas.
Do valor estimado, mil milhões de euros dependem de contribuição europeia, através do instrumento Connecting Europe Facility (CEF). As candidaturas para obter este financiamento abriram em setembro e terminam em janeiro de 2024. O Governo português ainda não terá submetido o processo. Os resultados serão comunicados em julho.
Concorrência
Na operação da alta velocidade, a CP deverá ter a concorrência da Renfe. No início de 2024, a empresa pública ferroviária espanhola vai pôr ao serviço o primeiro comboio de alta velocidade bi-bitola, podendo circular com nas distâncias entre carris da Península Ibérica (1668 mm) e europeia (1435 mm). O comboio Avril ligará Vigo a Madrid em menos de quatro horas.
Também o grupo Barraqueiro, através da empresa B-Rail, ambiciona concorrer com a CP. O grupo liderado por Humberto Pedrosa propõe-se a fazer estes serviços com os comboios Avril, fabricados pela Talgo. Por ser uma empresa privada, a B-Rail não precisa de tanto tempo para comprar comboios. A nível europeu, entre a assinatura do contrato e a entrega do primeiro comboio têm sido necessários três a quatro anos, além de vários meses de testes e de certificação.
A CP, para ter uma palavra a dizer na alta velocidade em Portugal, terá de arrancar com o concurso nos próximos meses, sob pena de perder para a concorrência privada ou de Espanha.