Concentrar construção em pouco tempo pode prolongar inflação alta
29/11/2022 12:59 - Sapo Eco
Para recuperar das décadas de atraso na ferrovia, é fundamental a construção de novas linhas e a modernização de troços em funcionamento. Mas a inflação alta pode gerar um novo atraso neste processo, alertaram os economistas Ricardo Paes Mamede e Ricardo Mourinho Félix num debate que decorreu nesta terça-feira no congresso da associação de transportes […]
Para recuperar das décadas de atraso na ferrovia, é fundamental a construção de novas linhas e a modernização de troços em funcionamento. Mas a inflação alta pode gerar um novo atraso neste processo, alertaram os economistas Ricardo Paes Mamede e Ricardo Mourinho Félix num debate que decorreu nesta terça-feira no congresso da associação de transportes Adfersit, na Fundação Calouste Gulbenkian. Outro problema está na falta de capacidade do Estado em poder acompanhar a velocidade das empresas privadas.
Em Portugal, a taxa de inflação homóloga tem estado acima dos 10%, em máximos de três décadas. Ao mesmo tempo, há um pacote de investimentos para as linhas de comboios até ao final de 2030. Além das novas linhas Porto-Lisboa e Braga-Vigo, prepara-se, por exemplo, a eletrificação da restante rede ferroviária nacional. Tudo isto implica um grande esforço de construção que pode, no mínimo, prolongar os efeitos dos preços elevados nos custos dos materiais e arrastar consigo as restantes componentes da inflação.
“A concentração de investimentos na construção civil durante muito tempo pode ter efeitos nefastos para a economia, por causa da subida dos custos e dos efeitos sobre a indústria transformadora”, alertou o economista Ricardo Paes Mamede, professor no ISCTE. Corroborando este aviso, Ricardo Mourinho Félix, na qualidade de vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI), notou que os Estados “podem usar” esta instituição “para compensar o aumento dos custos das matérias-primas”.
A vertente económica também entrou em debate por causa dos efeitos gerados pelo caminho-de-ferro na parte industrial e na parte da operação. Em cima da mesa esteve a ameaça de a economia romena poder valer mais do que a portuguesa a partir de 2024 e a ultrapassagem das várias economias do Leste que pertencem à União Europeia.
O ex-presidente da CP, Nuno Freitas, notou que países como a Roménia, Polónia, Croácia, República Checa e Eslováquia, à frente ou à beira de ultrapassar Portugal “têm pelo menos uma empresa de fabrico de material circulante“. O agora líder da Nomad Tech acrescentou a este ponto que “os países que nos começam a ultrapassar, ao investirem nos caminhos-de-ferro, começam a apontar algumas pistas e se calhar estão certos”.
Nuno Freitas sinalizou também que o projeto de construção da nova linha Porto-Lisboa “é extremamente importante porque vai reduzir as distâncias no país” e “gerar efeito de rede”. Lamentando “o erro de Portugal não ter apostado na ferrovia há três décadas”, Ricardo Paes Mamede entende que resolver o problema da Linha do Norte “pode ser um grande desbloqueador para a economia nacional“, mas “não traz um impacto extraordinário na capacidade de escoar mais depressa os produtos”.
Paes Mamede entende também que a proposta do Plano Ferroviário Nacional de ligar todas as capitais de distrito “não é uma questão fundamental” porque a rede de autoestradas construída em Portugal nas últimas décadas “não serviu para reduzir a desertificação“.
E o Estado está preparado para liderar os investimento em infraestruturas ferroviárias no Programa Nacional de Investimentos para 2030? Numa sondagem feita durante o debate, mais de 68% das respostas consideraram como insuficiente o nível de preparação do Estado. O próprio painel refletiu essa opinião.
“O grande problema é o da incapacidade das instituições públicas. O aparelho do Estado está desprovido de capacidade técnica porque houve uma grande desvalorização na última década e meia“, lamentou o professor do ISCTE. “A Administração Pública não consegue responder e não consegue estar a par dos operadores privados”, acrescentou.
Ricardo Mourinho Félix entende que “a Administração Pública tem de definir rapidamente o seu papel” nos investimentos futuros. Sinalizando que há 100 mil milhões em fundos do BEI para a área dos transportes, o economista entende que “é preciso estimular o mercado das obrigações verdes”, empréstimos para financiar projetos sustentáveis.