Mudança para transportes públicos faz-se com incentivos ou proibições?
25/04/2023 17:21 - Sapo Eco
O programa para baixar o preço dos passes foi insuficiente para captar os cidadãos para os transportes públicos. Em 2021, apenas 12,2% dos residentes em Portugal usavam o comboio, autocarro, metro ou barco para chegarem ao trabalho; uma década antes, eram 15,6% os que escolhiam esta opção, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Com […]
O programa para baixar o preço dos passes foi insuficiente para captar os cidadãos para os transportes públicos. Em 2021, apenas 12,2% dos residentes em Portugal usavam o comboio, autocarro, metro ou barco para chegarem ao trabalho; uma década antes, eram 15,6% os que escolhiam esta opção, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Com a viagem de transportes a demorar praticamente o dobro do tempo do percurso de carro — 43 minutos e meio vs. 18,8 minutos — é necessário encontrar outras fórmulas para captar mais pessoas para os transportes coletivos.
Novos modelos de cobrança de impostos na área dos transportes, mudar a perceção que os cidadãos têm sobre os veículos utilizados e a aposta na digitalização sem excluir os seniores foram algumas das propostas avançadas num encontro de especialistas, a propósito da inauguração do centro de investigação para a mobilidade Tmob-Hub, no campus de Azurém, em Guimarães, da Universidade do Minho.
“Os modelos de taxação em torno da mobilidade são antigos, baseados em tecnologia do séc. XX. Os novos modelos têm de ser inteligentes e atrair as pessoas para os transportes coletivos”, defendeu o antigo secretário de Estado da Mobilidade, José Mendes. “O setor automóvel representa 12% das receitas fiscais. É arriscado mexer nisso mas é preciso. É preciso pagar impostos conforme a hora em que for usado o veículo, a localização, o tráfego e o número de pessoas no veículo”, detalhou o agora presidente da Fundação Mestre Casais, virada para a sustentabilidade.
Paulo Humanes considera que “toda a mobilidade no futuro tem de ser partilhada“, mas reconhece que “há situações em que o carro ainda tem um papel, pelo que não deve ser abolido”. O diretor responsável pela área de Mobilidade, Automóvel e Cidades no CEiiA recordou que este centro de engenharia e inovação de Matosinhos tem um projeto no estado brasileiro de Santa Catarina para captar pessoas para os transportes coletivos.
“Os brasileiros tendem a andar mais a pé ou de bicicleta, embora tenham a ambição de andarem de carro ou de mota. Com a nossa solução, registamos os percursos a pé ou de bicicleta e depois transformamos os dados em viagens de autocarro. As pessoas experimentam o autocarro e, assim, tenta-se quebrar o ciclo de andar de carro”, explicou o responsável.
Quando questionada sobre uma eventual proibição dos voos domésticos dentro de Portugal Continental, a presidente da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) defendeu que “a liberdade na operação traz eficiência e riqueza”. Para Tânia Cardoso Simões, “é preferível ter um esquema de incentivos ou desincentivos do que uma proibição total de voos“.
A captação de passageiros para os transportes públicos também depende da informação que é prestada antes e durante a viagem, para garantir que ninguém fica perdido ou que escolhe a opção mais rápida, sem destruir o orçamento.
A Bosch, uma das maiores empregadoras do Minho, chama a atenção para a digitalização na área dos transportes. “Chego a uma qualquer cidade europeia e são apresentadas as melhores rotas para nos deslocarmos. Isto é muito importante para as pessoas terem confiança na utilização dos transportes coletivos”, sublinhou André Santos. O responsável pela área de desenvolvimento notou, por outro lado, que “em Portugal dependemos muito do carro e não olhamos muito para outros meios mesmo quando eles são melhores”. Por causa disso, completou, “precisamos de educar as pessoas para mudar para os transportes partilhados”.
Já o presidente honorário do Tmob-Hub, António Gomes Correia, sublinhou que as linhas de comboio, aeroportos e estradas “têm de estar ligados de forma a servir os cidadãos”. Isso implica que “cada utilizador possa ser informado através do telemóvel das melhores soluções para ir do ponto A para o ponto B”, independentemente do meio de transporte que for utilizado.
Apesar de ser favorável à digitalização, o diretor executivo da Plataforma Ferroviária Portuguesa, Paulo Duarte, alertou para o risco de exclusão dos seniores. “Não nos podemos esquecer das pessoas mais velhas: chegam às estações e não está lá ninguém para lhes vender um bilhete e não há ninguém que lhes atenda o telefone. As pessoas continuam a ser necessárias nas estações e nos interfaces”, recomendou.
Sobre a importância do financiamento para garantir as melhorias na oferta dos transportes públicas, o presidente da Infraestruturas de Portugal (IP), Miguel Cruz, considerou como “viável” a opção pela alta velocidade e defendeu a combinação entre o Estado e as empresas. “Se quisermos implementar a alta velocidade sem grandes perturbações ao longo do tempo e sem custo de oportunidade, a melhor abordagem que podemos seguir é a das parcerias público-privadas“, referiu.
Por outro lado, o diretor-geral da Mota-Engil Concessões, Rui Guimarães, que encerrou este debate em Guimarães sobre a mobilidade, aproveitou para deixar um lamento sobre a falta de investimentos nas infraestruturas ao longo da última década. “Desperdiçámos dez anos de oportunidades de financiamento a juros muito baixos porque temos alguns complexos”, concluiu o gestor.