Site da CP ignora estações do Oeste, Vouga, Algarve e Beira Baixa
08/01/2023 06:37 - Público

Na lista das estações e apeadeiros servidos pelos comboios da CP, a empresa esqueceu-se de 81 localidades. Alertada há três semanas, assumiu o erro, mas não o corrigiu.

Site da CP ignora estações do Oeste, Vouga, Algarve e Beira Baixa

“Se não receio o erro, é porque estou sempre disposto a corrigi-lo.” A frase é do matemático e professor universitário Bento de Jesus Caraça e consta na entrada da sede do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão) para recordar aos alunos que errar é humano, mas que há nobreza na sua correcção.

Mas esta não parece ser a postura da CP, a transportadora ferroviária pública, que, por lapso, ignora no seu site 81 estações e apeadeiros da sua rede, optando por deixar tudo como está, mesmo depois de questionada pelo PÚBLICO sobre a incompletude dessa listagem.

No seu site, a empresa convida o visitante para que “conheça todas as estações de comboios CP e serviços disponibilizados”. E apresenta uma lista de 379 registos. Mas, passadas a pente fino todas as estações e apeadeiros do país, nota-se que a empresa se esqueceu da totalidade das paragens da Linha do Vouga. São 44 no total e nela constam cidades como São João da Madeira, Santa Maria da Feira, Oliveira de Azeméis e Águeda, onde, supostamente, não passam comboios.

Na Beira Baixa, são as cinco estações entre Covilhã e Guarda, um troço aberto recentemente, que são omissas na lista da CP. E na Linha do Oeste acontece uma coisa estranha: entre Meleças e Caldas da Rainha, aparentemente, só existe Torres Vedras e Bombarral. As restantes 17 estações e apeadeiros inexistem. Entre elas encontram-se Mafra, Malveira e Óbidos.

Mas das Caldas da Rainha para norte está tudo certinho. A CP apenas se esqueceu do Louriçal.

O Algarve é outro mistério. Das 30 paragens entre Vila Real de Santo António e Lagos, a CP ignora 14. Castro Marim, Luz, Livramento, Bom João, Almancil, Lagoa, Ferragudo, Alvor são estações e apeadeiros onde diariamente o comboio pára várias vezes. Mas não constam da listagem electrónica da empresa.

Nas restantes linhas está tudo certinho, com excepção da do Alentejo, onde Alcáçovas é omitida.

Questionada pelo PÚBLICO sobre esta discricionariedade, em 21 de Novembro passado, a CP demorou 16 dias a responder. Em resposta, explica-se que a actual versão do site é de 2014 e que na altura do seu lançamento tinha apenas informação relativa às estações servidas pelo comboio Alfa Pendular. “Posteriormente, alargou-se essa informação às estações servidas pelos comboios Intercidades e Regional e mais tarde aos restantes comboios”, diz fonte oficial da empresa, que acrescenta que “a CP está a desenvolver um novo site que, para além de toda a informação existente, terá novos conteúdos e funcionalidades e que será apresentado em devido tempo”.

De seguida, a empresa reconhece o erro: “No trabalho de preparação deste novo site, detectou-se a falta de informação sobre alguns pontos da rede, onde se incluiu algumas estações da Linha do Oeste. Como o site da CP está em actualização permanente, sempre que é detectado qualquer erro ou falha de informação, a CP precede à correcção e ou reposição da informação em falta.” O que, contudo, não aconteceu.

Mário Pereira, do Movimento Cívico pela Linha do Vouga, diz que a omissão da totalidade das estações e apeadeiros daquela linha no site da empresa pública “são uma falta de respeito, e mostram o desprezo que dão à Linha do Vouga, onde falta até o mais básico, como ter horários afixados nas estações. Demos a sugestão à CP de usar as molduras iguais às dos urbanos do Porto para colocarem a informação ao público, mas apenas as meteram em Sernada”.

Já Filipe Santos, da Associação Move Beiras, considera “essencial a menção das estações todas da Beira Baixa no site da CP” e acrescenta: “O nosso objectivo é desenvolver e dinamizar os territórios do interior através da utilização do meio de transporte sustentável que é o comboio.”

“Esquecimento selectivo”

Rui Raposo, da Comissão Cívica para a Defesa da Linha do Oeste, tem também uma opinião sobre esta postura da CP: “Tendo em conta o historial da CP em relação à Linha do Oeste, parece-me que foi um esquecimento selectivo, mas admitindo que tenha sido um lapso, não se percebe porque não foi corrigido. Diz bem da falta de cuidado que há no tratamento desta linha e é mais um elemento que revela o pouco interesse dado pela CP à Linha do Oeste, que chegou a situações extremas em que não havia material circulante para fazer um comboio por dia em cada sentido.”

O dirigente da comissão cívica diz que a falta de informação na linha é constante. A CP limita-se a colar uns horários minúsculos com fita-cola nas janelas das estações, sublinha. Essa colagem é feita no exterior dos vidros e não nos interiores porque, provavelmente, os funcionários da CP que têm essa tarefa não possuem chave das estações, as quais pertencem à IP. Deste modo, em pouco tempo, os horários são rasgados ou deterioram-se pela chuva e pela humidade.

Rui Raposo dá o exemplo da estação de São Martinho do Porto, que recebe milhares de pessoas durante o Verão, mas onde não há nem um funcionário a vender bilhetes. Um dos horários colados no vidro da porta da estação – cuja sala de espera está permanentemente encerrada – desapareceu e acabou por ser um ferroviário reformado que tomou a iniciativa de fazer uma fotocópia do papel em falta e colá-la ele próprio.

O mesmo responsável conta que durante anos as automotoras da Linha do Oeste continham no seu interior a sinalética com as estações e os apeadeiros das linhas do Minho e do Douro, onde também prestavam serviço. Mas do Oeste, nada. Quando a CP procurou colmatar essa omissão, fê-lo de uma maneira desastrada, com uns painéis informativos confusos, impossíveis de compreender para quem não conhece a geografia da linha.

Nesse painel, a empresa privilegiou a informação sobre a tipologia do serviço (comboios regionais, inter-regionais, suburbanos) em detrimento do mapa da linha e das suas estações.

“Há alguma dificuldade na passagem da informação, tornando-se confuso perceber o que são as diferentes opções de saída para Coimbra e Figueira da Foz, por exemplo. Penso que a solução gráfica que representa as mudanças de linha poderia ser mais feliz e coerente, tal como uma diferenciação dos tipos de letra poderia, neste caso, facilitar a sua percepção”, diz Pedro Marques, professor de Produção Gráfica, da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha, convidado pelo PÚBLICO a pronunciar-se sobre esta sinalética.

Em sintonia está o designer Plácido Afonso, que entende que “o esquema gráfico de uma linha ferroviária deve conduzir à sua leitura simplificada, facilitando ao utente o uso do serviço respectivo”. Contudo, neste caso, “tanto os erros de localização relativa entre estações, como a ambiguidade entre a representação cromática de tipos de serviço (laranja para regional, azul para inter-regional) e o próprio traçado da linha decorrente da bifurcação após o Louriçal (que sugere laranja para Figueira da Foz e azul para Coimbra), induzem o utente em erro, dificultando o entendimento daqueles percursos e a consequente utilização do serviço”. E conclui: “Isto é lamentável num tempo em que urge reconciliar os cidadãos com a ferrovia.” Bilhetes no Celta só no site da Renfe

Comprar no site da CP um bilhete do Porto para Viana do Castelo no comboio Celta não é possível. A tentativa de compra remete o cliente para o site da espanhola Renfe, onde, aí sim, um cliente português poderá adquirir o seu título de transporte para viajar entre duas cidades portuguesas. Isto porque o Celta é considerado um comboio internacional, apesar de ter pior qualidade do que os comboios regionais e inter-regionais que circulam na Linha do Minho.

O mesmo acontece, claro, para comprar um bilhete do Porto, ou de Viana, para Vigo ou para a fronteira de Valença. Tal só é possível no site da transportadora pública do país vizinho porque, segundo fonte oficial da CP, “a venda dos comboios internacionais está acordada e protocolada comercialmente com a Renfe, desde 2013, uma vez que a CP não possui um sistema de venda internacional próprio”.

A empresa não esclareceu se esta situação será alterada no futuro site da CP.

Desde o dia 11 de Dezembro que o Celta é o único comboio internacional que a Renfe opera, visto que chegou ao fim o acordo entre a operadora espanhola e a SNCF para as ligações entre Espanha e França.