PPP na alta velocidade: privados vão construir e manter linha a troco de rendas
13/10/2022 06:18 - Público

Vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, confirma que a construção e manutenção da linha entre o Porto e Soure estará a cargo de um consórcio privado que será remunerado pela capacidade da infra-estrutura.

PPP na alta velocidade: privados vão construir e manter linha a troco de rendas

Quem construir a primeira fase da linha de alta velocidade, entre o Porto e Soure, terá também a seu cargo o financiamento do projecto, sendo posteriormente remunerado pelo Estado com rendas que serão pagas em troca da disponibilidade oferecida na futura infra-estrutura.

Essa disponibilidade compreende a passagem de um determinado número de comboios por dia e a manutenção da infra-estrutura nas condições de velocidade previstas (sem afrouxamentos), e com todos os equipamentos operacionais, desde a sinalização às telecomunicações e à própria limpeza das estações.

Essa será a forma de o Estado remunerar o consórcio privado que ganhar o concurso para este troço, tendo em conta que lhe será pedido que faça o próprio projecto, o execute, o financie e trate depois da manutenção.

Estas explicações foram dadas pelo vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, ao programa Economia Real, do Porto Canal, na passada segunda-feira, dia 10 de Outubro. “[Ao consórcio vencedor] será paga uma parte à cabeça e a outra parte a partir da operação”, disse. Isto significa que o privado receberá algumas tranches de financiamento directo (vindas de fundos comunitários) durante a construção, ficando a receber a parte restante durante a operação através de rendas devidamente contratualizadas. Embora sem o referir, trata-se do regresso das Parcerias Público Privadas (PPP) às obras públicas em Portugal, uma decisão que ainda terá de ser formalizada pelo Governo.

“Com a contratação tradicional teríamos dezenas de empreitadas e expropriações para fazer”, disse Carlos Fernandes, justificando assim a opção por um modelo que minimiza os riscos de atrasos e diminui a carga burocrática, mas reconhecendo também que não poderia ser de outra maneira devido às dificuldades da IP para executar o projecto.

“Não temos meios internos para fazer tudo”, referiu, adiantando que num modelo de contratação com projecto, execução e manutenção “faz-se tudo de uma vez só” e “pagamos logo com valores à cabeça”.

Será, contudo, a IP a assegurar a exploração da linha de alta velocidade, definindo os canais horários e gerindo o tráfego ferroviário com inteira liberdade. O privado só terá de garantir que a infra-estrutura estará operacional.

O gestor mostrou-se optimista quanto ao investimento na alta velocidade, assegurando que “está garantido 90% de financiamento comunitário” – “o financiamento não é questão”, afirmou várias vezes. Entre o Porto e Soure, o investimento está estimado em 2950 milhões de euros.

Nem todo o projecto, porém, dependerá de uma PPP. A quadruplicação da linha do Norte entre o Carregado e Lisboa será feita seguindo o modelo de empreitada clássico, com a IP a lançar sucessivos concursos públicos para o desenho do projecto, construção e fiscalização.

Esta quadruplicação justifica-se para aumentar a capacidade da linha do Norte neste troço onde vão coexistir comboios convencionais e comboios de alta velocidade. É que, em rigor, só haverá alta velocidade entre o Porto e Carregado porque os quilómetros finais serão feitos pela via convencional. Nestas condições, a IP estima que em 2030 a viagem Porto-Lisboa seja feita em 1h19. A construção de uma linha de alta velocidade entre o Carregado e Lisboa só permite ganhar três minutos a este tempo de percurso.

Questionado sobre os preços das viagens na futura infra-estrutura, Carlos Fernandes disse que “não há nenhuma razão técnica para o preço ser significativamente superior aos dos Alfas e dos Intercidades”.

Tudo dependerá, porém, de quem vier a operar na linha de alta velocidade, não sendo líquido que seja só a CP a fazê-lo uma vez que o mercado está liberalizado. A empresa pública vai precisar de comprar comboios de longo curso, mas não o poderá fazer enquanto não limpar a sua dívida histórica, que ascende a 2100 milhões de euros. O Orçamento do Estado de 2022, em vigor, prevê uma verba de 1800 milhões para o saneamento da dívida, permitindo libertá-la dos encargos financeiros que anualmente esmagam as suas contas.

Mas isso ainda não foi feito, o que impede a CP de recorrer à banca para obter os 336 milhões de euros que necessita para comprar 12 comboios de alta velocidade, os quais, segundo estudos da empresa, serão facilmente amortizáveis com a operação comercial.

Ainda assim, a proposta do Orçamento do Estado para 2023 prevê que a transportadora pública lance no próximo ano o concurso público para esse material rolante.