Governo ignora importância da ferrovia na localização do futuro Hospital do Oeste
17/09/2022 07:22 - Público
Ministérios das Infra-estruturas e da Saúde recusam pronunciar-se sobre as vantagens de planear um futuro hospital ao lado de uma via-férrea.
A proximidade do futuro Centro Hospitalar do Oeste à via-férrea homónima tem estado ausente do debate e do único estudo científico realizado até agora acerca da sua localização. Um trabalho da Universidade Nova sobre os melhores locais para instalar o hospital destaca em primeiro lugar um ponto no conselho do Bombarral, em segundo lugar um no de Torres Vedras e em terceiro lugar uma localização no Bombarral praticamente ao lado da Linha do Oeste.
A importância da utilização do modo ferroviário, porém, esteve ausente desse estudo. José Manuel Viegas, professor catedrático de Transportes no Instituto Superior Técnico, diz que “um hospital é um grande gerador de tráfego e muita gente terá vontade de ir de transporte público se houver uma boa oferta. Por isso, se ficar decidido que o hospital fica no Bombarral, não faz sentido ignorar essa particularidade que é a proximidade à linha férrea”.
O professor diz que se o hospital ficar a 400 ou 500 metros da via-férrea, as pessoas poderão deslocar-se facilmente a partir do apeadeiro ou da estação, pois “com um tratamento paisagístico decente até se faz bem a pé”. Recomenda é que se contrate um bom arquitecto paisagístico.
“Penso que tem que fazer parte do caderno de encargos do hospital garantir que terá um bom acesso em transportes públicos e também com mobilidade suave, incluindo a pé, de bicicleta e trotinete”, afirma.
José Manuel Viegas diz que “ter um ou dois grandes geradores de tráfego na Linha do Oeste obriga a ressuscitá-la e provavelmente o hospital é o melhor instrumento para a revitalizar”. Haveria assim uma relação biunívoca: a Linha do Oeste pode ser útil para ajudar a resolver a acessibilidade ao hospital e este pode ser útil para ajudar a potenciar aquela via-férrea.
O especialista considera que não é garantido que a modernização da Linha do Oeste, tal como está a ser feita (com uma simples electrificação e sem intervenções de fundo que aumentem as velocidades dos comboios), consiga ressuscitá-la do seu estado comatoso. Por isso, o hospital poderia ser o grande balão de oxigénio que ajudasse à sua recuperação. E neste particular diz que “os autarcas têm aqui um papel importante, pois não basta reivindicarem uma linha moderna, é preciso também fazerem a sua parte para que seja utilizada”.
CP também interessada
A mesma opinião tem o presidente da CP, Pedro Moreira, que falou com o PÚBLICO à margem de um evento ferroviário em Ermesinde (Valongo). O gestor diz que “é óbvio que uma infra-estrutura geradora de tráfego, como é o caso de um hospital, tem muito interesse para a CP, pois o modo ferroviário é o mais adequado para responder às necessidades dos profissionais de saúde que nele trabalham nas suas deslocações pendulares casa-trabalho, bem como nas deslocações de visitas e de pessoas para as consultas”.
Salvaguardando que não conhece o processo em curso entre os municípios da região, Pedro Moreira considera que, “na perspectiva das acessibilidades a localização de um hospital deverá ter em conta a proximidade da linha férrea” pois não tem sentido afastar um importante pólo gerador de tráfego de uma linha férrea que, ainda por cima, deverá estar modernizada dentro de dois anos e poderá prestar um bom serviço à região Oeste. “Acredito que um hospital localizado junto da via-férrea, com um apeadeiro ou estação para o servir, será bom para o próprio hospital e será bom para a Linha do Oeste”.
Questionado sobre a importância do comboio na escolha da localização do hospital, Pedro Simões Coelho, coordenador do estudo da Nova, admite que a introdução desta variável ferroviária é importante porque facilita os acessos da população aos cuidados de saúde. “É uma simulação que vamos fazer e para a qual precisamos de saber os tempos de percurso em comboio depois da linha modernizada”, disse ao PÚBLICO.
Depois de uma primeira fase em que o foco esteve na distância-tempo da população da região a seis localizações possíveis, a segunda fase do estudo vai centrar-se na procura dos cuidados de saúde em hospitais privados na região, na estrutura etária da população e nas diferentes formas de deslocação.
Vítor Marques, presidente da Câmara das Caldas da Rainha, faz questão de sublinhar que o terreno proposto para a localização do hospital no seu concelho é contíguo à Linha do Oeste e também muito perto do nó da A8 que serve Caldas e Óbidos. “Aquilo que eu idealizo é que entre Torres Vedras e Valados dos Frades [estação que serve Nazaré e Alcobaça] houvesse um serviço de comboios com muita frequência que parassem em frente ao hospital. Acho que isso faria todo o sentido”.
O autarca, que discorda do estudo da Nova sobre o futuro equipamento, o qual teve por base as distâncias em quilómetros e em tempo por via rodoviária, diz que “a instalação do hospital perto da via-férrea tem de ser um factor decisivo na decisão sobre a sua localização”.
No estudo da Nova, a localização proposta pelas Caldas da Rainha (numa das extremas com o concelho de Óbidos) ficou em quinto lugar entre as nove localizações estudadas.
Ricardo Fernandes, presidente da Câmara do Bombarral, em cujo concelho recaem duas das três primeiras localizações consideradas ideais pelo estudo da Nova, não respondeu às questões do PÚBLICO sobre a importância de uma delas estar ao lado da Linha do Oeste.
O mesmo aconteceu com o Ministério da Saúde e o Ministério das Infra-estruturas, que também optaram por não responder. Ou, melhor, o ministério de Pedro Nuno Santos limitou-se a dizer que “o Governo não tem comentários a fazer”.
Contudo, o ministro não perde a oportunidade de repetir à saciedade que “o melhor meio de transporte que existe é o comboio”, como o fez em 28 de Junho passado nas Caldas da Rainha, aquando da cerimónia de consignação da modernização da Linha do Oeste.
Em 19/4/2021, na apresentação do Plano Ferroviário Nacional, Pedro Nuno Santos disse que o governo pretendia “dar centralidade à ferrovia, que é o transporte do futuro”, visto que “não há meio de transporte que proteja mais o ambiente”. O ministro acrescentou que “se queremos tirar carros das cidades, precisamos de ferrovia pesada a chegar ao centro das cidades”.