Investigação a acidente mortal em passagem de nível detecta falha de fiscalização da IP
12/09/2022 06:27 - Público

Passagem de nível particular no Alentejo estava há dez anos sem cumprir os requisitos legais, no que terá sido um “factor contributivo” do acidente.

Investigação a acidente mortal em passagem de nível detecta falha de fiscalização da IP

O comboio tinha partido da estação de Cuba às 18h41 e seis minutos mais tarde “o maquinista apercebeu-se de umas luzes que se dirigiam à via-férrea, provenientes do lado esquerdo no sentido da marcha, constatando que pertenciam a um veículo automóvel” que se dirigiam a uma passagem de nível. A essa hora, em Dezembro, já é noite escura, para mais no dia 22 que é o segundo mais curto do ano.

“Ao perceber que o veículo automóvel não se imobilizava, o maquinista aplicou o freio e actuou a buzina da unidade motora de forma persistente durante 11 segundos à medida que se aproximava da passagem de nível”, mas como este não parava, accionou o freio de emergência conseguindo, ainda assim, reduzir a velocidade da composição de 119 km/h para 95 km/h, mas não evitando o embate, que era inevitável. O veículo automóvel foi arrastado durante 397 metros e o seu condutor e “o animal canídeo de estimação que o acompanhava” morreram. A automotora ficou com um rodado descarrilado, mas nem tripulação nem passageiros sofreram quaisquer ferimentos.

Este acidente, descrito com grande pormenor no relatório do GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários), com o título “Colisão fatal na PN ao PK 128,209 da Linha do Alentejo, em 22-12-2021”, não difere muito doutras ocorrências trágicas que envolvem o atravessamento de veículos na via-férrea. São, infelizmente, frequentes e nem costumam ser alvo de investigação daquele organismo por não serem consideradas “acidentes graves” (os que têm no mínimo um morto ou cinco feridos e prejuízos superiores a 2 milhões de euros). Mas, neste caso, o GPIAAF detectou “desconformidades no sistema de protecção da passagem de nível”, decidindo, por isso, avançar com uma investigação.

E esta concluiu que tendo sido uma eventual distracção ou imprudência do condutor a causa imediata do acidente (foi excluída a hipótese de suicídio), o foco da investigação concentrou-se nos aspectos relacionados com a segurança da passagem de nível que estava há dez anos desconforme com os requisitos legais.

Há em Portugal cerca de 75 passagens de nível particulares. Isto significa que se trata de atravessamentos rodoviários (ou pedonais) sobre a via-férrea “para serviço exclusivo de prédios vizinhos ao caminho-de-ferro, mediante licença concedida pela gestora da infra-estrutura ferroviária”, neste caso a Infraesturas de Portugal (IP), a qual estabelece condições de segurança e obriga-se a fiscalizá-las.

Essas condições implicam que estas passagens de nível sejam dotadas com obstáculos físicos fechados a cadeado a fim de evitar um acesso fácil e imediato ao canal ferroviário. Mas no caso da passagem de nível que se situa entre a estação de Cuba e o apeadeiro do Alvito, o GPIAAF descobriu que há pelo menos dez anos que esses requisitos não eram cumpridos e que esta tinha uma configuração única no país pois havia um acesso paralelo completamento aberto “com um dispositivo no pavimento que impedia a passagem de gado, mas livre para o trânsito automóvel e pessoas”.

Esse dispositivo, conhecido como “passagens canadianas” e muito usado em propriedades rurais, consiste numa grade com barras colocadas de forma espaçada sobre uma vala que impede a passagem dos animais. A investigação concluiu que este era usado normalmente como um acesso alternativo à passagem de nível e que a IP tinha conhecimento desse facto há dez anos sem nunca ter tomado medidas correctoras.

O relatório admite que, mesmo que a passagem de nível estivesse em conformidade com o estipulado, tal não garantia que o acidente não pudesse acontecer, mas sublinha que “todo o processo de o condutor do veículo ter de parar, sair do veículo, abrir o portão e regressar ao veículo antes de proceder ao atravessamento, aumenta a probabilidade de haver uma maior atenção e prudência do lado dos utilizadores para o atravessamento da via-férrea”.

Por isso, o GPIAAF recomenda que se implementem as medidas de segurança adequadas aquela passagem de nível do Alentejo e que se realize uma análise de risco às passagens de nível particulares de toda a rede ferroviária nacional.

Oito dias após o acidente este gabinete tinha emitido um alerta urgente de segurança, dirigido à IP, com medidas preventivas destinadas a evitar a repetição de idêntico acidente. Mas o relatório diz que três meses depois as mesmas ainda não tinham sido implementadas.