Chineses e japoneses afastados da corrida à maior compra de comboios para a CP
06/07/2022 05:57 - Público
Júri decidiu excluir a CRRC por não demonstrar a equivalência das normas técnicas chinesas às europeias. Hitachi terá desistido porque nem respondeu à notificação para apresentar documentos.
O concurso para a maior compra de comboios de sempre para a CP deixou de contar com a participação da CRRC Tangshan e da Hitachi. Mantêm-se na corrida os franceses da Alstom, os espanhóis da CAF, os suíços da Stadler e o consórcio germano-luso-espanhol formado pela Bombardier, TST e Talgo.
O segundo relatório do concurso público para a compra de 117 comboios para a CP diz que a documentação apresentada pelos chineses da CRRC não permite “determinar se a certificação emitida ao abrigo do sistema em vigor na República Popular da China respeita os critérios e requisitos previstos nas especificações técnicas de interoperabilidade (ETI)” em vigor na União Europeia.
As ETI são fundamentais para assegurar a interoperabilidade do sistema ferroviário e a CRRC assegura que a sua proposta as cumpre na totalidade, mas o júri diz que isso não ficou demonstrado na complexa documentação técnica apresentada.
O relatório preliminar também tinha levantado dúvidas sobre questões de índole financeira daquela candidatura, mas que foram agora esclarecidas através de documentação que “comprovou o cumprimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira”, de acordo com o relatório. Mas já nas questões técnicas ficou por provar a equivalência entre as normas em vigor na China e na União Europeia e, por isso, o júri determinou “a caducidade apresentada pela candidata CRRC Tangshan Co. Ltd.”.
A empresa chinesa, que em Portugal é representada pela M. Moura Consultores Associados, deverá, contudo, recorrer. “Ainda estamos a analisar o relatório, mas, à partida, vamos contestar, uma vez que consideramos cumpridos os requisitos necessários à qualificação da CRRC”, disse ao PÚBLICO fonte desta empresa.
O júri decidiu ainda excluir a candidatura da Hitachi, que “não apresentou qualquer informação ou documentação na sequência do primeiro relatório final”. Aparentemente, os japoneses ter-se-ão desinteressado do concurso.
O relatório responde ainda às reclamações apresentadas pela CAF e Stadler. A primeira tinha pedido a exclusão da CRRC, Hitachi e Stadler e a segunda tinha pedido a exclusão de todos os outros concorrentes. Ambas referiam que o júri não deveria ter aceitado as candidaturas às quais faltavam documentos e que, por esse motivo, não se lhes deveria ter dado nenhum prazo para os apresentar.
A CP, porém, aceitou a documentação e o esclarecimento de dúvidas técnicas dos restantes candidatos. Um dos argumentos da Stadler contra a aceitação das propostas da Alstom e da CAF foi a de que estas foram sancionadas pelas autoridades espanholas por terem participado num cartel destinado a distorcer a concorrência, mas o presente relatório não valorizou essa questão.
Outra questão que também deixou de contar neste concurso foi o litígio entre a CP e o concorrente CAF por causa de um assunto que nada tem a ver com o presente processo. Trata-se do incumprimento, por parte da empresa basca, de um contrato para o torneamento de 48 bogies motores (rodados com tracção) de automotoras portuguesas. Uma situação que a transportadora pública classificou de “muito grave, revelando negligência grosseira ou mesmo dolo”.
Isto porque a CAF, não só não cumpriu os prazos, como executou o trabalho com deficiências técnicas graves tendo ainda apresentado “documentos de conformidade técnica inexactos e copiados entre si”.
Mas a empresa argumentou que, apesar destas falhas, que assumiu, tal não invalida a sua boa prestação na “execução de múltiplos contratos de fornecimento de material circulante” para mais de uma dezena de países europeus nos últimos quatro anos.
A CAF mantém ainda um litígio em tribunal com a CP a propósito do anterior concurso para a compra de 22 automotoras regionais. Apesar de o tribunal ter permitido que a empresa avançasse com o processo concursal (já está assinado o contrato entre a CP e a Stadler para o fabrico daquele material circulante), o assunto não está ainda fechado na esfera judicial.
Quanto ao actual concurso – compra de 117 comboios num investimento de 819 milhões de euros –, se a Stadler e a CAF não recorrerem deste segundo relatório, o potencial de litígio entre os concorrentes, mesmo com o recurso da CRRC, parece agora mais pacificado.
Entretanto, já houve, por solicitação dos concorrentes, vários pedidos de prorrogação de prazos que levaram a data de aceitação das propostas a derrapar de 10 de Janeiro para 15 de Fevereiro, o que deverá representar um atraso de mês e meio neste arranque do concurso. Segundo as previsões iniciais, o primeiro comboio deverá ser entregue à CP 40 meses depois da adjudicação, ou seja, em meados de 2026, devendo seguir-se entregas de três comboios por mês até meados de 2029. Um ritmo intenso pois cada composição deverá ter três carruagens, o que significa fabricar uma carruagem em pouco mais de três dias, durante três anos.