Da retirada da CP das urgências à demora na sua autonomia
19/12/2023 06:57 - Dinheiro Vivo

Enquanto ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos executou um plano de emergência para salvar a CP dos atrasos e cancelamentos dos comboios. Mais demorada está a autonomia da empresa face ao Estado

Da retirada da CP das urgências à demora na sua autonomia

Não é por acaso que a primeira visita oficial do novo líder do PS ocorra no concelho de Matosinhos: a freguesia de Guifões foi uma espécie de talismã para Pedro Nuno Santos enquanto ministro das Infraestruturas. Foi lá que o antigo governante reabriu a oficina ferroviária da CP, em janeiro de 2020; onde mostrou, em julho de 2021, as primeiras das 50 carruagens compradas pela CP à congénere espanhola Renfe um ano antes; também foi nesse local, em dezembro de 2021, que lançou o concurso público para a compra de 117 novos comboios, o maior de sempre para a empresa pública ferroviária.

Foi nos comboios que Pedro Nuno Santos procurou dar o lado bom do Ministério das Infraestruturas, sobretudo quando a TAP - antes e depois da nacionalização - vinha sempre com más notícias. Quando substituiu Pedro Marques, em fevereiro de 2019, Pedro Nuno Santos tinha a CP praticamente a entrar em rutura, com comboios sobrelotados nos serviços suburbanos e cancelamentos de viagens diários no servio regional, sobretudo no Douro, Oeste e Algarve.

Em junho de 2019, o então ministro conseguiu aprovar um plano de investimento de 45 milhões para recuperar comboios encostados um pouco por todo o país, fundir a CP com a então empresa de manutenção ferroviária EMEF, e ainda contratar 187 trabalhadores para a empresa pública ferroviária. Foi ainda nomeado um novo presidente para a CP, Nuno Freitas, um ferroviário experiente e que conseguiu implementar as medidas mais urgentes para a transportadora.

A recuperação de comboios era imprescindível para a empresa cumprir o seu papel: garantir que o comboio chega, a horas, e que vem limpo.

Além da criação do centro tecnológico para a ferrovia, o plano de investimento incluiu ainda a assinatura do primeiro contrato de serviço público da história da CP, em novembro de 2019. O documento apenas entrou em vigor em junho de 2020: a partir desse momento, a CP sabia que podia contar com o Estado para ser compensada pelas viagens realizadas todos os dias desde o comboio suburbano até aos Intercidades - apenas o Alfa Pendular ficou de fora. O contrato também previa o perdão da dívida histórica da companhia, que apenas foi aprovado em outubro passado.

A limpeza do passivo é determinante para a CP poder comprar comboios para a nova linha de alta velocidade - o concurso de compra de material circulante deverá ser lançado no primeiro semestre de 2024 - e poder ter mais autonomia na gestão financeira da empresa - com condições para aumentar os salários dos revisores e operários das oficinas, por exemplo.

117 problemas
Quando a CP abriu o concurso público para a compra de 117 comboios, a empresa já sabia que o procedimento tinha de estar bem blindado para evitar problemas com os tribunais. Entre dezembro de 2019 e outubro de 2020, a aquisição de 22 automotoras para o serviço regional tinha sido impgunada pelos bascos da CAF. Só depois disso o contrato foi finalmente assinado com os suíços da Stadler e submetido ao visto do Tribunal de Contas.

Em dezembro de 2021, quando arrancou a compra de 117 novos comboios para os serviços suburbanos e regionais, o então ministro garantiu: "Foram tomadas todas as medidas ao nosso alcance para que haja a maior transparência possível", segundo declarações ao Dinheiro Vivo. Pedro Nuno Santos também indicou que o vencedor da contenda seria conhecido no final de 2022, "se tudo correr bem, dentro dos prazos, sem impugnações judiciais".

Praticamente dois anos depois, em outubro de 2023, a francesa Alstom foi anunciada como vencedora do concurso para estes comboios, mas o processo foi impugnado pelos concorrentes CAF e Stadler. Em causa está um concurso orçado em 819 milhões de euros e que beneficiava quem mais apostasse em Portugal para a montagem do novo material circulante.

Considerando a previsível demora dos tribunais e que o primeiro dos 117 novos comboios apenas ficará pronto 40 meses (três anos e quatro meses) após o visto do Tribunal de Contas, há o risco de Pedro Nuno Santos terminar o primeiro mandato como líder de Governo a inaugurar a primeira das novas automotoras da CP.