CP tem nove carruagens paradas à espera de certificação após serem renovadas
19/05/2022 06:56 - Público

CP já renovou nove das 50 carruagens compradas a Espanha, mas estão paradas a aguardar uma certificação que é “complexa e bastante rigorosa”

CP tem nove carruagens paradas à espera de certificação após serem renovadas

Quando, em Julho de 2020, chegaram a Portugal as primeiras 18 carruagens espanholas que a CP adquiriu à Renfe em segunda mão, houve ferroviários que, surpreendidos com o bom estado do material, disseram que estavam prontas para fazer o Intercidades logo no dia seguinte.

A verdade é que parte desse material tinha estado em circulação poucos meses antes na rede espanhola. Mas havia agora que o preparar para a rede portuguesa e adaptá-lo ao serviço comercial da CP. Os trabalhos começaram poucos meses depois. As carruagens foram “descascadas”, ficando só a caixa metálica e os rodados, e reconstruídas com equipamentos mais modernos. Ficaram como novas e as três primeiras que foram dadas como terminadas até mereceram, no ano seguinte, uma visita do primeiro-ministro às oficinas de Guifões, que ali destacou a forte incorporação nacional no processo de renovação. Cada carruagem custou, em média, 30 mil euros, tendo a CP gasto cerca de 156 mil euros para as recuperar. Novas valem cerca de um milhão de euros.

Passou-se mais um ano. Os operários da CP foram fazendo o seu trabalho e hoje já são nove os veículos prontos a entrar ao serviço, mas que não têm saído das oficinas a não ser para fazer viagens de ensaios. Contudo, para o transporte de passageiros (e numa altura em que a CP já começa a ter dificuldade em responder a picos de procura idênticos aos do período pré-covid) estas carruagens continuam a aguardar por uma certificação.

O PÚBLICO foi procurar saber os motivos desta demora, que obriga a deixar parado material avaliado em nove milhões de euros.

Segundo a CP, esta certificação “é um processo complexo e bastante rigoroso e, no presente caso, estamos perante a primeira homologação realizada em Portugal após a obrigação de registo no balcão único da ERA (European Union Agency for Railways/ Agência Ferroviária da União Europeia)”. Por outro lado, esta é também a primeira série de material circulante de passageiros em certificação segundo as ETI (Especificações Técnicas de Interoperabilidade) aplicadas a veículos ferroviários em Portugal.

O Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), a quem compete fazer a certificação, também diz que este processo é “complexo e rigoroso” e que “envolve a verificação de requisitos estabelecidos por um vasto conjunto de normas técnicas”, os quais, por sua vez, envolvem também outras entidades, nomeadamente organismos independentes de verificação das regras europeias e nacionais.

“Todo este processo tem o objectivo de garantir que o material circulante é seguro para os passageiros e mercadorias e que é interoperável”, diz fonte oficial do IMT. É que na ferrovia, tal como acontece na aviação e ou no sector farmacêutico, as empresas não podem introduzir equipamentos ou produtos novos no mercado sem que estes sejam verificados por uma entidade pública.

Está em causa a segurança de pessoas e bens e para isso é preciso ter a certeza que, por exemplo, os novos materiais instalados nas carruagens respondem a requisitos exigentes relativamente ao seu comportamento e resistência ao choque, ao fogo, às diferenças de temperatura, ou às vibrações. É preciso também salvaguardar que as emissões electromagnéticas dos equipamentos electrónicos instalados a bordo não interferem com os equipamentos de sinalização instalados na via férrea.

Em Janeiro deste ano a CP respondera ao PÚBLICO que esperava ter em Março as “novas” carruagens a circular.

Mas só no dia 15 desse mês é que a empresa submeteu o pedido de certificação ao balcão único da Agência Ferroviária da União Europeia, ao qual o IMT também tem acesso para lhe poder dar sequência. Este instituto não respondeu ao PÚBLICO sobre quando espera ter o processo concluído, limitando-se a garantir que o fará “dentro dos prazos previstos na legislação”.

Por seu lado, a CP diz que, assim que haja autorização, as nove carruagens renovadas entrarão logo ao serviço “e as restantes seguirão o rigoroso plano de entregas de conjuntos de três carruagens em cada dois meses”.

Certificação só para Portugal

Apesar do mercado estar liberalizado e de quase não haver ligações ferroviárias com Espanha, a CP só pediu a certificação destas carruagens para a rede portuguesa, inviabilizando assim que estas possam circular no país vizinho. Ainda na semana passada, num encontro entre os autarcas de Lisboa e Salamanca, Carlos Moedas e Carlos García Garbayo, sublinharam a necessidade de incrementar as relações ferroviárias entre as duas cidades, agora inexistente desde o fim do Lusitânia Expresso e do Sud Expresso.

Em Maio de 2021, quando foi reaberto o troço Covilhã – Guarda da linha da Beira Baixa, o então presidente da CP, Nuno Freitas, explicava que uma das razões que impede o lançamento de um Intercidades entre Lisboa e Salamanca é a falta de material circulante homologado, uma vez que os comboios portugueses não podem passar a fronteira. Mas se houvesse carruagens certificadas para circular em Espanha isso podia resolver-se com troca de locomotiva na fronteira (ou certificando também as locomotivas).

A CP, porém, diz que adquiriu as carruagens espanholas “com o objectivo de responder à procura interna e nunca à procura internacional, pelo que a decisão de certificação apenas para circulação na rede nacional foi assumida desde o início”. A empresa acrescenta que “o processo de certificação internacional, independentemente de já terem circulado em Espanha, seria um processo mais demorado pelo simples facto de necessitarem de outro tipo de testes relativos à infra-estrutura”.