400 milhões depois, linhas de comboio estão em "estado razoável"
02/03/2022 07:02 - Dinheiro Vivo

Programa de conservação de caminho de ferro tenta combater décadas de desinvestimento. Recuperação teria acelerado caso Ferrovia 2020 tivesse cumprido prazos.

400 milhões depois, linhas de comboio estão em "estado razoável"

Nos últimos seis anos foram investidos cerca de 400 milhões de euros na conservação das linhas de comboio em Portugal. Desde 2016 que a Infraestruturas de Portugal (IP) tem procurado manter uma rede ferroviária envelhecida e que foi esquecida durante décadas. Apesar do esforço, a ferrovia nacional ainda está em estado razoável, segundo os dados da empresa facultados ao Dinheiro Vivo.

No ano passado, o indicador médio de desempenho foi de 5,02 pontos, numa escala de zero a oito. A rede ferroviária nacional está num estado de condição adequado para o médio prazo; isto é, a necessitar de investimento nos próximos cinco a nove anos.

Apesar de este ter sido o melhor registo de sempre, o desempenho poderia ser bem mais satisfatório caso a IP tivesse cumprido os prazos anunciados no programa Ferrovia 2020, apresentado em fevereiro de 2016 e que deveria ter ficado concluído em 2021.

Em detalhe, há 400 quilómetros da rede ferroviária nacional em estado de desempenho insatisfatório; 909 quilómetros requerem atenção; 1292 estão num estado razoável; 557 estão em bom estado.

O troço Covilhã-Guarda, na linha da Beira Baixa, é o percurso em melhor estado de conservação. Tem uma nota de 7,06 pontos porque foi reaberto em maio de 2021 em estado completamente novo. Com o Ferrovia 2020, houve modernização da superestrutura de via (composição do balastro, das travessas, das fixações e do carril).

Em sentido contrário está a linha do Vouga: os trechos Aveiro-Sernada e Oliveira de Azeméis-Espinho apresentam uma nota de 0,82 pontos. Segundo a escala da IP, quando o indicador de desempenho se situa entre 0 e 1,99 pontos, o investimento é urgente.

A empresa pública já começou as obras de manutenção nos dois trechos, mas o máximo que se poderá esperar é que o comboio deixe de andar aos solavancos. O aumento de velocidade nos troços ficará para outra altura.

A degradação das linhas de comboio é sentida, por exemplo, quando fazemos o troço Ovar-Espinho no comboio Intercidades: por causa dos solavancos, uma garrafa de água cai dos tabuleiros colocados nos assentos.

A própria IP reconhece as suas limitações. "Não podemos ter o mundo perfeito quando os ativos já estão degradados ou envelhecidos", assume Rui Coutinho, responsável pela atividade de inspeção e diagnóstico das infraestruturas da empresa pública.

O engenheiro lembra também que "a capacidade de material para afinar as linhas é limitado. Não há nada que uma equipa de manutenção possa fazer lá para colocar aquilo no nível bom".

Nestas ações, "não há qualquer substituição de componentes. No máximo, podemos compor o balastro [material sobre o qual assentam as travessas que suportam os carris] ou fazer algumas afinações".

Como os carris estão degradados, a própria manutenção não tem efeitos duradouros. "Com estes materiais, é preciso fazer a intervenção todos os anos, com mais custos. Se fosse tudo novo, apenas bastaria uma intervenção a cada cinco anos", assinala.

Além do estado da linha, o indicador da IP também mede a qualidade das estruturas geotécnicas (5,96 pontos em 2021), das pontes e viadutos (5,55 pontos), dos sistemas de sinalização e segurança (4,96 pontos) e ainda os ativos de suporte à tração - catenária, subestações e postos (6,81 pontos).

A IP espera que os indicadores de desempenho comecem a melhorar substancialmente depois de concluídas as obras do Ferrovia 2020, no final de 2023.

No futuro, a empresa conta cada vez mais com o contributo dos sensores, para obter muito mais dados e com mais qualidade. A gestora de infraestruturas irá ainda passar a usar as imagens de satélite da Agência Espacial Europeia, para medir deslocações no terreno.

Mas para reverter as décadas de desinvestimento na ferrovia não chegam remendos. São necessárias obras de fundo em boa parte dos 2526 quilómetros de linhas de comboio exploradas pela IP.