IP e CP arrancam 2022 sem lideranças definidas
12/12/2021 06:45 - Público
Maior programa de investimentos da ferrovia está há um ano a ser gerido por uma administração da IP em gestão corrente. A presidência da CP continua sem definição, a mês e meio de eleições.
As duas maiores empresas ligadas à ferrovia deverão entrar em 2022 com as suas administrações em gestão corrente. A IP está há um ano com uma administração nessa condição e a da CP termina o mandato em Dezembro. Próximos líderes serão escolhidos pelo novo Governo
A saída de Nuno Freitas da CP, em Setembro passado, deixou o conselho de administração da empresa com menos um elemento e com um presidente que só o é interinamente porque não houve qualquer acção da tutela para arrumar a casa. Pedro Moreira, vice-presidente da empresa, assumiu a liderança em conformidade com os estatutos da CP que dizem que, na ausência do presidente, é o vice que o substitui. É como se o presidente estivesse de férias e fosse substituído pelo número dois do conselho de administração. E é por esse motivo que Pedro Moreira mantém o salário de vice-presidente.
A subida de Joaquim Guerra, ex-chefe de gabinete de Nuno Freitas, à administração, também não se concretizou, alegadamente porque o Governo está em gestão corrente e foi decidido não haver novas nomeações nas empresas públicas até à formação de um novo executivo.
No entretanto, é todo o actual conselho de administração da CP que cessa o seu mandato no dia 31 de Dezembro, passando a ficar em gestão corrente a partir de Janeiro. Por norma, e mesmo quando as nomeações não dependem de um novo governo, a substituição só ocorre depois da apresentação das contas da empresa, o que nunca acontece antes de Março ou Abril.
A CP junta-se, assim, à IP, como a segunda maior empresa tutelada por Pedro Nuno Santos a ficar com os seus administradores em gestão corrente. Só que esta última já está assim há um ano, pois foi em Dezembro de 2020 que terminou o mandato da equipa liderada por António Laranjo, que entretanto já anunciou a sua saída.
A IP é a maior gestora de contratos públicos portuguesa, responsável por um programa de investimentos que, só na ferrovia, é superior a 2,1 mil milhões de euros. O Ferrovia 2020, porém, tem sido um fiasco: dos 19 projectos a concretizar até finais do ano passado, só cinco estão concluídos e a maioria dos restantes derrapou para 2023.
A empresa e o governo têm justificado estes atrasos com a falta de engenharia de projecto em Portugal, mas a Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores (APPC) já veio dizer que a responsabilidade é sobretudo da IP que contrata em função dos baixos preços, descurando a qualidade, e imputando àquela empresa erros e atrasos na definição e execução dos projectos.
Apesar deste cenário, a IP tem beneficiado de uma tutela compreensiva, embora Pedro Nuno Santos até tenha começado o seu mandato por pôr em causa a própria empresa. O ministro tinha ideias muito claras sobre como não deveria funcionar a ferrovia. Era contra a separação entre a roda e o carril, contrariando as orientações de Bruxelas para o sector e até pediu um parecer ao Comité Económico Social que veio dizer o que ele esperava: “a separação vertical entre gestores e operadores não deve ser imposta aos Estados-Membros”.
“Acho que é chegada a altura de fazer o que, verdadeiramente, nunca foi feito e avaliar os resultados dos Quatro Pacotes Ferroviários, não pela bitola da liberalização e da concorrência, mas pela bitola do serviço ao passageiro, do serviço público, do bem público que o caminho-de-ferro deve ser”, disse na altura Pedro Nuno Santos.
Já em 2019, em entrevista ao PÚBLICO, o governante dizia sobre a IP que “a fusão [da Refer com a Estradas de Portugal] foi um erro” que prejudicou a ferrovia e que esta teria a ganhar com a reversão dessa medida. “A minha intuição e o conhecimento que eu já vou tendo dizem-me que a ferrovia teria muito a ganhar com essa autonomização, que foi prejudicada com essa fusão e por isso temos de estudar isso seriamente. Aliás, essa é a intenção do Governo, e do PS, para o futuro. Temos que repensar a reorganização das empresas que gerem as nossas infra-estruturas ferroviárias e rodoviárias e a sua articulação com as empresas que as usam”.
Nessa entrevista indiciava que a solução seria “termos uma CP forte, uma CP grande, uma CP a servir bem o país e os portugueses”, que poderia passar por uma holding na qual esta empresa deteria a parte da operação e a gestão das infra-estruturas. A exemplo, aliás, do que é feito em França e na Alemanha, como então apontou o ministro.
O seu pensamento, porém, evoluiria radicalmente. Ao podcast Sobre Carris, do PÚBLICO, Pedro Nuno Santos diria em Julho deste ano que mudou “a ideia inicial que eu cheguei a ter que era a separação da rodovia da ferrovia”.
O motivo era que em breve as concessões rodoviárias vão deixar de ser um encargo e passar a gerar receitas para a IP, as quais o ministro quer aplicar na ferrovia directamente em vez de as deixar fugir para o Tesouro.
Uma preocupação justificável como se depreendeu das palavras do ministro, dois meses depois, quando criticou o seu colega das Finanças pelo não saneamento da dívida da CP e pela demora “em autorizar a compra de umas rodas”.
Desde então Pedro Nuno Santos deixou de pensar em revolucionar o modelo para o sector e limitou-se a prometer que irá “injectar sangue ferroviário na administração da IP”, o que deveria ter acontecido em Outubro passado. O chumbo do Orçamento do Estado e a crise política trocou-lhe as voltas e a única alteração acabou por ser a saída do seu presidente, António Laranjo, para coordenar a candidatura ibérica à organização do Mundial 2030.
De acordo com comunicado do Governo, “atendendo ao período eleitoral que o país viverá no início do ano, o novo conselho de administração da IP será nomeado na próxima legislatura”. A mesma lógica deverá ser aplicada à administração da CP.