Comboio elétrico só vai chegar à Régua em 2027
27/09/2023 07:00 - Dinheiro Vivo
Concurso para eletrificar troço da Linha do Douro entre Marco de Canaveses e Régua soma meio ano de atraso. IP alega que interessados estão a pedir esclarecimentos. Associação Vale d"Ouro reclama que há falta de vontade do Governo.

Quando a Linha do Douro começou a ser construída, em 1875, o comboio chegou à estação da Régua ao fim de quatro anos, em julho de 1879. Século e meio depois, a ida do primeiro comboio elétrico demora mais tempo, apesar do progresso. Inicialmente prevista para o final de 2019, a eletrificação do troço Marco de Canaveses-Régua só deverá ficar concluída em 2027. A região está dividida; a gestora da via-férrea (IP - Infraestruturas de Portugal) apenas admite que os interessados estão a pedir esclarecimentos.
Foi em 5 de junho - a poucos dias de a cidade da Régua ser a sede das comemorações do 10 de junho - que a IP lançou o mais recente concurso para colocar catenária na linha. Os interessados tinham 90 dias para apresentar propostas A obra, orçada em 118 milhões de euros, seria executada entre o segundo trimestre de 2024 e o segundo trimestre de 2026. Se os prazos não descarrilassem.
Nada disso aconteceu: no início de setembro, dia 4, a IP deu mais um mês para a apresentação de propostas. Na última segunda-feira, dia 25, saiu novo aviso de prorrogação do prazo, desta vez de 120 dias. "Há interessados no projeto e estão a pedir esclarecimentos", alega ao Dinheiro Vivo fonte oficial da IP. Da Câmara da Régua, José Manuel Gonçalves justifica que a obra tem "elevada complexidade técnica", embora assuma: "Estou preocupado e lamento que não estejamos com a obra em curso".
A demora em atribuir a obra tem consequências no calendário de "cerca de meio ano ou mais", explica o presidente da Associação Vale d"Ouro, Luís Almeida. "Após a apresentação das propostas, há ainda um período de avaliação e seleção dos vencedores, um período de audiência prévia, a verificação dos requisitos do vencedor e a validação pelo Tribunal de Contas. Isto significa que obra entre Marco e Régua pode não começar antes do final do verão de 2024, o que é inadmissível", lamenta o responsável associativo.
Tendo em conta que são necessários mais de dois anos para a empreitada e respetiva certificação, nunca antes do final de 2026 haverá um comboio elétrico a passar na Régua. "Não há intenção efetiva do Governo ou da IP em executar uma obra que a região reclama há décadas para repor a justiça social e económico", aponta Luís Almeida.
Adiamentos sucedem-se
A eletrificação da Linha do Douro até à Régua foi uma obra anunciada em fevereiro de 2016, ao abrigo do plano de investimentos Ferrovia 2020. Na altura, previa-se que as obras começassem no segundo trimestre de 2018 e ficassem concluídas no final de 2019.
O projeto, no entanto, sofreu vários percalços. No final de 2019, a IP assumiu que "as dificuldades técnicas, evidenciadas pelo consórcio projetista, obrigaram à revogação do contrato. No início de abril de 2022, as verbas europeias para esta obra foram transferidas para os trabalhos nos troços Caíde-Marco de Canaveses (Linha do Douro) e Meleças-Caldas da Rainha (Linha do Oeste). A eletrificação do Marco-Régua passaria para o quadro financeiro europeu 2021-2027.
O atraso agravou-se porque a IP não contava, inicialmente, apresentar uma declaração de impacto ambiental para a obra, apesar de a região do Alto Douro Vinhateiro ser classificada como Património Mundial pela Unesco desde dezembro de 2001.
Além da eletrificação da linha e das mexidas nos túneis, os 118 milhões de euros da obra até à Régua contemplam o alteamento das plataformas nas estações e apeadeiros - para facilitar a entrada e saída dos comboios -, a substituição de material de via, a estabilização de 40 taludes e a colocação de travessas de betão onde ainda existem travessas de madeira.
No entanto, não está prevista a supressão das 36 passagens de nível neste percurso, ao contrário de outras obras do programa de investimento do Ferrovia 2020. Também não está previsto o aumento da velocidade máxima, de 80 km/h. Ou seja, a eventual redução dos tempos de viagem deverá dever-se apenas ao uso de comboios elétricos - com maior aceleração - e ao retorno da linha às condições originais. Atualmente, a ligação mais rápida entre Porto-Campanhã e Régua demora 1 hora e 43 minutos, mais meia-hora do que a viagem em carro particular e apenas menos sete minutos do que a deslocação em autocarro expresso.
Impactos
Os atrasos na eletrificação do Marco-Régua penalizam ainda mais o calendário das obras seguintes: entre a Régua e o Pocinho e a reabertura do troço Pocinho-Barca d"Alva, prometida pela ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, e o ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.
A demora na empreitada também prejudica o turismo da região, que quer aproveitar as vistas do rio e das vinhas. "A CP tem a sua frota diesel no limite e torna-se complicado dar resposta aos picos de procura", avisa a Associação Vale d"Ouro.
A eletrificação da Linha do Douro no âmbito do Ferrovia 2020 fica-se, para já, pelo troço Caíde-Marco de Canaveses, concluída em julho de 2019. Está por instalar a sinalização eletrónica, que permitirá o cruzamento de comboios sem recorrer ao telefone do chefe de estação, como no século XIX.