Sérgio Soares: "Via com bons olhos uma PPP no transporte público"
01/07/2023 07:00 - Dinheiro Vivo
CEO da Transdev, que opera transportes públicos no Norte e Centro, tem ambições de alargar o negócio. Lamenta que não se abra a ferrovia a privados e diz que regiões estão a evoluir depressa para servir melhor as populações.
Sérgio Soares é o CEO da Transdev Portugal e Espanha, primeiro português a assumir a liderança ibérica da transportadora que está há mais de 20 anos em Portugal. Foi antes diretor executivo da Arriva Portugal, diretor-geral adjunto do grupo STF para Espanha e Portugal. Com 50 anos e licenciado em Economia, tem uma sólida experiência no setor da logística e transportes. Ao leme da empresa que se define como The Mobility Company conta com cerca de 1800 colaboradores e uma frota de mais de 1500 viaturas, transportando 21 milhões de passageiros por ano.
Como é que olha para a mobilidade em Portugal? A oferta está ajustada ao que é ou deve ser a procura?
A mobilidade está em plena transformação, aqui como na maioria dos países europeus e ocidentais. Claro que Portugal parte de uma posição muito degradada a esse nível, a maior parte do país tem uma carência enorme de transporte público. A boa notícia é que hoje esse tema está na ordem do dia, as pessoas falam do assunto e tanto as populações como as autoridades olham a mobilidade como fator de desenvolvimento e de alavancagem do que pode acontecer numa região e na qualidade de vida dos cidadãos. Há muito caminho para andar, o desnível que existe entre as áreas metropolitanas e o resto do país é gritante... são desníveis de menos de 70% da oferta per capita relativamente ao que acontece fora da Grande Lisboa, por exemplo.
No resto do país há uma diferença de 70% para os grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto, no que respeita a transportes públicos? Como é que isso se traduz no dia-a-dia das populações?
O que traduz essa métrica é utilizar Lisboa como ponto de referência do que deve ser a oferta de transporte. O transporte escolar está relativamente bem assegurado nas várias regiões, mas fora disso as populações não podem contar com o transporte público para as suas deslocações quotidianas, para o trabalho, mas também deslocações de lazer ou compras.
E é nessas regiões que a Transdev tem apostado?
Grande parte da atividade da Transdev acontece nessas regiões e por isso temos esta bandeira de apelar a tudo quanto temos por fazer ainda para podermos dizer que essas populações estão servidas com oferta que lhes permita largar o transporte individual e adotar o transporte público no dia-a-dia.
Mas há falta de concursos públicos na área dos transportes?
Desde há três anos, tem decorrido o lançamento de concursos nas várias localidades do país, é um imperativo da legislação comunitária e que está a ser cumprido progressivamente em Portugal. Os concursos lançados têm o mérito de traduzir a ambição de cada autoridade sobre o seu território, aquilo que projetam para as suas populações, mas em muitos casos, por questões muitas vezes de precaução, acabam por replicar o modelo operacional existente.
Isso acaba por atrasar o processo?
Prefiro vê-lo como um momento de aprendizagem, mas claro que atrasa o processo; nós gostaríamos de andar mais rápido. Mas temos de nos focar sobre o aspeto positivo das coisas: haverá ao longo dos próximos anos exemplos de exceções a esta regra e essas exceções vão fazer que as próprias populações exijam dos seus governantes uma oferta de transportes adequada. Hoje fala-se muito do problema da habitação. As cidades-piloto, as cidades essenciais de cada região, têm carências de habitação que conseguirão ultrapassar melhor se tiverem uma política de mobilidade que permita às pessoas viverem um pouco mais longe do centro, com condições de vida e de acessibilidade que não passem pelo uso do transporte individual, que é poluente, muito dispendioso e acaba por não ser opção para as franjas da população mais carenciadas. O preço da habitação é composto pelo preço da casa em si e depois o custo da deslocação que exige, quer em tempo quer em dinheiro.
Mas isso passaria por uma reorganização das próprias regiões metropolitanas?
As regiões metropolitanas estão cingidas a Lisboa e Porto, o resto do país desenvolveu-se em torno de associações de grupos municípios, muitas vezes através das CIM (comunidades intermunicipais), onde há debates neste momento sobre o que deve ser a oferta de transportes. É um debate difícil, porque as realidades são muito diferentes - há cidades com grande progressão e poder económico e até em número de população e depois temos municípios muito pequenos e há desequilíbrios difíceis de conciliar numa política única. Por isso digo que é um tempo de aprendizagem. Paulatinamente, chegaremos todos à conclusão daquilo que é necessário, mas ainda estamos em processo.
Há uma série de concursos abertos além do transporte rodoviário. Ponderam entrar noutros segmentos, como a ferrovia?
Sim, gostaríamos muito de ter essa possibilidade. É uma grande motivação e é um dos polos mais importantes do Grupo Transdev - tanto nos metropolitanos como na ferrovia de proximidade às grandes cidades ou de larga distância. Infelizmente, até agora o panorama existente é um plano ferroviário nacional que não passa pela abertura aos operadores privados de executarem franjas dessa operação, o que para nós é lamentável. Seria uma oportunidade grande, não só para a empresa mas também para o país.
Como é que esse tipo de oferta podia facilitar a vida das pessoas?
O facto de o transporte ser executado por uma empresa pública ou uma privada acaba não ser relevante, assumindo que ambas conseguem o mesmo nível de qualidade...
Mas não é isso que acontece?
Infelizmente, hoje não temos benchmark, não temos comparação entre o que é uma operação pública e a privada com exceção - uma boa exceção - da Fertagus, na margem sul do Tejo. E se calhar essa comparação entre uma realidade privada e uma pública já nos faria ver que essa coopetição, uma mistura de cooperação e concorrência, faria provavelmente melhorar muito os serviços públicos. Não por serem privados, mas por haver multiplicidade de entidades a entregar determinado serviço. Esse seria uma vantagem clara para as populações. Há outras, como uma quota parte importante do investimento poder ser privado, podendo os fundos públicos ser canalizados para áreas de muito mais carência.
O que é que tem impedido que isso aconteça? Certamente, o Estado verá com bons olhos não ter de gastar esse dinheiro... é um tema de gestão, ou seja, há vontade de controlar as operações para garantir que funcionam?
Infelizmente, não consigo responder a isso. Desconheço as razões pelas quais o governo português, que lança um programa de desenvolvimento ferroviário importante, crucial para o país, parece não contemplar a participação do setor privado. Mas julgo que vale a pena ver o que está a acontecer nos outros países. Na Alemanha, que tem talvez a maior rede ferroviária europeia, a percentagem operada por privados chega a 20% da rede - e não é propriamente considerada pouco profissional. Numa altura de grande necessidade de investimento e de aceleração desses investimentos, por que não contar com os privados? É difícil de entender.
Via com bons olhos por exemplo uma parceria público-privada (PPP) no transporte público?
Com a certeza que sim, e não seria inédita. O conceito PPP é agora pouco utilizado, mas tem muitos méritos e é uma pena não estar a ser utilizado no desenvolvimento do país.
A Transdev oferece "soluções integradas de mobilidade à medida". O que é que isto significa para quem vive em regiões de fraca densidade populacional e para a empresa, como negócio?
Um operador de transporte público, na generalidade dos casos, acaba por executar a política pública de transporte. Quando falamos em capacidade de adaptação é porque há múltiplas formas de se poder suprir necessidades com que as autoridades se deparam. Eu estou aqui a advogar uma grande oferta de transporte público, mas não posso ignorar que é difícil em zonas de fraca densidade populacional equacionar o investimento necessário para dar a essas pessoas, que são poucas num território grande, uma oferta regular. Hoje a tecnologia permite que ambas as realidades, um transporte regular e ao mesmo tempo adaptável e dinâmico, sejam abordadas. O transporte público parte sempre da definição de política pública da autoridade mas depois há técnicas de implementação que podem ser adjuvadas com a técnica da empresa.
Mas sendo uma região onde não há movimento que garanta o financiamento da operação através de bilhetes ou passes, a empresa terá sempre de ser subsidiadas pelo Estado?
Exatamente, são as políticas públicas de desenvolvimento. Muitas vezes dizemos isto aos decisores, quando nos dizem que há muito poucas pessoas a andar nos autocarros em determinada zona: mas há muitos automóveis a circular... A questão é esta, há poucas pessoas porque de facto as pessoas não escolhem o transporte público, porque as opções são poucas para aquilo que a vida moderna exige de flexibilidade: sair mais tarde, chegar mais cedo, ir buscar os miúdos... são necessidades que não estão alinhadas com a realidade.
A Transdev tem enfrentado desafios, com greves em especial no norte. Qual foi a proposta de acordo de empresa que os sindicatos recusaram?
Em boa verdade, todos os sindicatos subscreveram o acordo exceto um e é esse sindicato que tem promovido a contestação, não sem que haja esforço da empresa para que se juntem aos colegas para a construção de um futuro. Eu tenho de classificar o acordo como muito positivo - e aliás os representantes dos trabalhadores também o dizem, porque no espaço de três anos revalorizámos a profissão de motorista em mais de 25%, atribuímos seguro de saúde a todos os trabalhadores e reduzimos tempos de trabalho. Estas três dimensões dão um bocadinho ideia daquilo que foi feito e que é uma grande evolução, é pegar num conjunto de conceitos da organização de tempo de trabalho que são muito antigos e modernizar em total compatibilidade com as necessidades dos trabalhadores e com os seus direitos, com a operação do futuro. Foi isso que a Transdev fez com a ajuda dos representantes dos trabalhadores e com muito êxito.
Que aumento houve este ano?
Foi sempre superior à inflação: de 2021 para 2022, quando a inflação foi para acima de 1%, os aumentos na Transdev foram superiores a 7% para os motoristas e agora foram mais de 9% para a função principal que temos. Porque é necessário valorizar estas profissões, de que temos muita falta.
Têm recorrido a mão-de-obra externa?
Temos. A Transdev felizmente tem uma capacidade de atratividade de trabalhadores muito forte e isso ajuda-nos bastante, mas não impediu que recorrêssemos à importação. Desde há um ano, há um fluxo permanente de seleção pessoas: trazê-las para Portugal, enquadrá-las, formá-las, dar-lhes as qualificações profissionais, porque este setor é muito regulamentado.
E onde é que vai recrutar?
Maioritariamente no Brasil e outros países de língua oficial portuguesa.
Há uma calendarização de negociações com o sindicato?
Nós temos todos os meses reuniões com os representantes de trabalhadores, porque temos sempre algo a construir. Esse diálogo ocorre não só nas comissões de trabalhadores, mas também nas sindicais. Neste momento, por exemplo, estamos a trabalhar sobre a evolução das carreiras, que queremos implementar para o ano. Comprometemo-nos a isso no acordo que fizemos e todos são bem-vindos a essa mesa. O Regulamento de Carreiras procura dar essa perspetiva de carreira As áreas técnicas e de manutenção são áreas em que há mais dificuldade em integrar pessoas, porque os jovens não veem essa perspetiva de carreira nessas funções. Este trabalho serve para os atuais trabalhadores da empresa, mas sobretudo para os futuros.
A Transdev tem uma operação repartida por 14 empresas e consórcios, no Norte e Centro. Quer estender a operação ao país?
A empresa começou no Metro do Porto e a partir dos anos 2000 foi adquirindo empresas no Norte; e até há dois ou três anos havia uma cristalização da realidade operativa nacional, por ausência de oportunidades. Os concursos abriram agora e a empresa está a tentar assegurar a continuidade nas áreas onde opera, mas naturalmente fará a sua expansão. Mas honestamente, preferíamos expandir-nos para a ferrovia.
Mais do que alargar a operação rodoviária?
Temos operação rodoviária em todas as comunidades intermunicipais do Norte - Coimbra, Interior, Serra da Estrela, Viseu-Dão- Lafões, Ave, Cávado, Alto Minho, área metropolitana do Porto... e queremos lá continuar e alargar operações aí.
Mas preferia entrar noutro formato?
Não é preferir, é queremos tudo.
Fala-se da possibilidade de vir a operar um dos cinco lotes definidos para a área metropolitana do Porto.
Sim, vamos arrancar no final deste ano. O nosso lote é o 3, que vamos orgulhosamente operar e fazer certamente um bom serviço.
Que balanço é que faz da operação?
Os contratos que são de continuidade têm a continuidade normal de um processo. Os novos são desafiantes, porque é uma grande aprendizagem, são contratos muitíssimo exigentes, que exigem dos operadores uma grande transformação de competências. Tecnologicamente são mais exigentes, são muito mais exigentes em termos de qualidade de serviço, do material, e não só no hardware, os autocarros, também nos sistemas de informação. Mas os nossos profissionais, os nossos gestores de operações, também mudam e se adaptam. Por isso, tem sido um caminho de grande aprendizagem. Genericamente estamos a fazer um bom caminho.
Com os novos concursos, precisa de mais autocarros e pessoas?
Depende, voltamos ao tema da ambição de cada região. Por exemplo, vamos ter um contrato a arrancar no próximo ano que é talvez o que mais ambição projeta no território, composto por três municípios, Famalicão, Ofir e Trofa. Aí basicamente a oferta que temos vai multiplica por cinco e ficar próxima da oferta das áreas metropolitanas de Lisboa e de Porto. Naturalmente, aí há uma grande exigência de meios humanos e materiais e que vemos como grande expectativa. A reação das populações em relação à oferta vai ser determinante para o que se vai decidir no futuro, ao nível da mobilidade do país.
E qual é o número que se multiplica por cinco?
No caso concreto, temos hoje 50 motoristas e vamos passar a 170.
A necessidade de adaptar a oferta dar-lhe agilidade significa, por exemplo, operar veículos mais pequenos, que passem por mais sítios ?
Os meios adaptam-se às condições físicas, à necessidade e capacidade de transportar e a imperativos de eficiência. Este triunvirato de características determina que meios é que se afetam a cada atividade, não há resposta automática. Há linhas que têm um grande débito e precisam de uma capacidade enorme, não só em frequência mas também em capacidade instalada de cada veículo. Outras que são linhas de proximidade, que estão nos bairros e precisam de ser mais ágeis. E há linhas prospetivas, que são novas linhas que se projeta que haja pessoas e podem começar com uma tipologia de meios e depois evoluir para o que seja necessário.
Fazia sentido um sistema em que a digitalização já permita ver se há ou não clientes a determinada hora e enviar ou não transporte, de acordo com isso, por exemplo?
Na gestão das massas e da oferta e da procura, é isso que os nossos novos sistemas fazem: em função da realidade quotidiana, adaptam percursos e horários, uma tipologia de meios para uns outra para outros.
E isso pode evoluir para uma oferta à medida, ao momento, com inteligência artificial?
Sim, isso também existe... Eu não queria exagerar nas expectativas, mas existe, é o transporte dinâmico: perante uma realidade de uma oferta regular, vê-se os desvios em função de pedidos de procura pontual. Existe em Lisboa e há pilotos a decorrer, porque basicamente é trazer conveniência e eficiência ao mesmo tempo. Há eficiência porque a linha é regular e conveniência porque se adapta às necessidades das populações literalmente a cada momento.
Quanto à frota, quantos autocarros têm e que planos de sustentabilidade existem? A eletrificação é o caminho, ou a opção do gás ou do hidrogénio são pesadas?
A eletrificação é um caminho que as sociedades estão a percorrer. A Transdev, nas nossas operações em Portugal, segue o plano de renovação de frota em função das propostas e exigências das autoridades em cada um dos contratos. Isso não impede que não tomemos iniciativas: até ao final do ano vamos ter mais dez, em cima das quatro viaturas elétricas da cidade de Aveiro, por exemplo. Será, proporcionalmente, a cidade com mais veículos elétricos no país. Mas a eletrificação serve de muito pouco se não houver transporte público. As grandes cidades estão num processo rapidíssimo de eletrificação de frotas e isso faz todo o sentido. Mas onde ainda não há oferta de transporte, se eletrificar a frota não vai transformar nada porque os carros poluentes individuais vão continuar a circular.
Vocês lançaram a aplicação móvel MobiME, dedicada a motoristas e a partilha de informação em equipas. O que é que esta aplicação faz?
Basicamente, procura aproximar os nossos colegas motoristas daquilo que é a sua coordenação operacional e a sua relação com as outras áreas da empresa - recursos humanos, manutenção, etc. Temos uma operação muito dispersa. Os nossos colegas motoristas têm o seu escritório móvel todos os dias, e às vezes não é fácil a comunicação entre eles e os colegas que os assistem na empresa. A aplicação não é mais do que uma plataforma de comunicação entre esses nossos colegas e os que existem na empresa para os ajudar.
A Transdev tem uma operação vasta a nível internacional e vários projetos-piloto a decorrer. Por exemplo, na Baviera Alemã tem uma nova frota com 31 comboios silenciosos, menos poluentes, onde os passageiros usufruem da ligação wi-fi, tomadas elétricas, ar condicionado. Este tipo de condições existe na operação em Portugal?
Desde logo, não temos nenhum comboio e gostaríamos de ter. Mas sim, na rodovia. E temos de reconhecer aqui o papel que as autoridades estão a desenvolver nisso, na exigência que colocam sobre esses fatores de conforto para o passageiro. Hoje é impensável um autocarro não ter ar condicionado ou wi-fi. Isso está a acontecer a um ritmo muito acelerado. Não vão passar mais de 24 meses para todas as frotas do país terem todos esses equipamentos.
E ao nível da bilhética e da desmaterialização dos bilhetes ou passes também?
É crítico e vai acontecer. Diria que não vão passar mais de 36 meses sem que todos os títulos estejam no nosso telemóvel.
Mas 36 meses não é imenso, tendo em conta o tempo que vivemos?
Eu estou a pensar no território todo, não estou a pensar numa operação - há algumas em que está a acontecer hoje. Mas no país inteiro é algo que vai demorar, tem que ver com os ciclos de vida dos sistemas implementados. Mas esses sistemas novos são melhores para passageiros, empresas e autoridades - garantem mais informação em tempo real -, portanto vão-se impor.
Em várias regiões tem diferentes projetos, desde Paris, a Reims, inclusive de auxílio à comunidade médica durante a pandemia. Replicaram esse tipo de auxílio por cá, quer no transporte quer na vacinação, no auxílio às autoridades?
Sim, tivemos vários. A vantagem de uma empresa como a nossa é estar muito próxima das comunidades, em todas as cidades da província. A pandemia foi um momento onde todas as colaborações aconteceram. Eu diria que isto aconteceu em todas as áreas de atividade, e a nossa não é exceção. Houve transportes para pessoal médico, instalações nossas a funcionar como centros de vacinação, houve um pouco de tudo.
Uma das ligações essenciais no negócio do Transdev, neste negócio dos transportes, é a ligação com o poder local. Essa ligação com o poder local existe de uma maneira saudável, ou seja, entendendo que há também um negócio para se fazer do lado da Transdev, pode haver, por exemplo, uma compensação, em que se admite prestar determinado serviço numa zona menos rentável, garantindo do outro lado...
Já não é esse o modelo que está instalado. O modelo é mesmo de contratualização. O diálogo com as autoridades locais vai crescendo em qualidade, cada vez se fala mais de soluções para a mobilidade e menos de questões pequeninas, que às vezes criavam atritos nas relações. Hoje as autoridades começam a ver mais longe e os operadores participam nessa discussão. O que mais faz falta é um pouco a cooperação entre autoridades. Há autoridades que estão muito desenvolvidas em termos de competências, com pensamentos muito avançados em termos daquilo que deve ser feito em termos de mobilidade, e outras que têm mais dificuldades.
E às vezes fazem fronteira uma com a outra.
Sim, há um apelo a que esse conhecimento seja partilhado. Eu acho que isso está a acontecer, às vezes informalmente. Há iniciativas a serem tomadas, outras vezes até informalmente com os profissionais da área a partilharem experiências. E acho que isso é o mais importante neste momento, o poder que as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto têm em termos técnicos tem de ser partilhado com as outras regiões. E noutras regiões fora de Lisboa e do Porto há também autoridades com uma grande capacidade técnica e de reflexão sobre temas de mobilidade que devem ser partilhadas com os demais.
Na área do hidrogénio, que planos têm para Portugal? Uma vez que também já têm curso experiências em municípios de França, onde vão adquirir cinco autocarros, por cá essa possibilidade está em estudo?
O hidrogénio poderá vir a ser o futuro energético da mobilidade, mas não temos a certeza. Portugal tem várias iniciativas a esse nível, desde logo alguns dos BRT que estão a ser projetados são movidos a hidrogénio, uma vez mais aparentemente vão ser operados por operadores públicos, o que é pena. É uma decisão muito corajosa, porque são tecnologias que não estão ainda totalmente maduras. Não deixa de ser um futuro provável mas não é um futuro certo.
Também não há infraestrutura.
Também a infraestrutura vai acompanhando, pouco a pouco, e é muitíssimo dispendioso. Ou seja, é uma energia muito, muito, muito dispendiosa.
E na área colaborativa com as associações, há algum projeto em Portugal à semelhança do que estão a desenvolver nos Países Baixos, onde fornecem veículos a condutores voluntários de associações locais para transporte da população, por exemplo, em meios rurais?
Fazemos isso com associações locais, com instituições de solidariedade social dispersas, temos até em construção um protocolo que procura enquadrar todas essas questões que já existem. Uma vez mais, é a oportunidade de estar próximo das populações. Ou seja, a empresa faz isso com um critério de proximidade, de entreajuda, dentro daquilo que são as limitações existentes das próprias operações, naturalmente.
A Transdev está presente em vários países da Europa, já aqui falamos de alguns, mas também está fora do continente europeu, dos Estados Unidos à Austrália, Colômbia ou Brasil. A nível internacional, o que é que pesa mais na vossa operação? É o transporte rodoviário ou ferroviário?
O transporte rodoviário pesa muito mais a nível de recursos humanos e o ferroviário, que inclui os metros, pesa muito em termos do investimento, porque são investimentos muito, muito fortes.
Mas o que é mais interessante?
As duas coisas, a empresa adapta-se àquilo que existe em cada território. O que vale a pena dizer dessa dispersão da empresa ao nível mundial é que as regiões concorrem entre si pelos investimentos. Eu gostava muito de ter grandes necessidades de investimento em Portugal para propor ao meu grupo. Esse é que é o grande desafio.
E não tem acontecido?
Não. Neste ano vamos fazer mais de 14 milhões de euros de investimento, mas quando falamos de projetos como a ferrovia, é esse tipo de projetos que eu gostava de levar à mesa decisões do meu comité executivo para concorrer com os projetos que surgem nos Estados Unidos ou no Chile.
E tem levado essas, não diria preocupações, mas essas reivindicações às infraestruturas, ao governo?
Procuramos passar a nossa mensagem; estou aqui a passá-la também.
Mas têm conversas com o ministro?
O nosso ministro da tutela e a secretaria de Estado têm acompanhado muito perto o setor. Não nos podemos queixar de não sermos acompanhados. O ministro do Ambiente e o secretário de Estado de Mobilidade têm sido parceiros ótimos e também na escuta das nossas ideias. Não nos podemos queixar.
No entanto, não conseguem entrar na ferrovia...
São decisões que têm de vir e reflexões que têm de ser feitas ao nível nacional, porque de facto são imperativas para o país.
Falou em 14 milhões de euros de investimento, recentemente também receberam a visita do comité executivo internacional do grupo. Significa que vêm aí novos projetos?
Todos os projetos são baseados em duas linhas de raciocínio: uma são os contratos que vamos conquistando e que necessitam de investimentos e depois há outros investimentos que têm que ver com a própria iniciativa da empresa em mercados que não são do setor público. Também temos o B2B, da relação direta com empresas, com instituições. E nesse setor estamos a fazer um desenvolvimento importante em termos de investimentos específicos para tirar partido de um mercado que está em grande crescimento. A mobilidade não é só ao nível do transporte quotidiano, há outras necessidades de transporte, que vão do turismo ao desenvolvimento da indústria e necessidade de transportar trabalhadores, peças e indústrias.
Mas quer dar-nos exemplos de um ou outro projeto que esteja mais avançado?
Os projetos são basicamente investimentos que fazemos em frota para dar capacidade operativa à resposta que damos a convites, a propostas que temos de instituições privadas.