Os portugueses que atravessaram o Saara no comboio mais longo (e pesado) do mundo
11/04/2023 13:19 - NIT
Quando se fala em longas viagens de comboio, as primeiras imagens que nos vêm à cabeça são paisagens idílicas e carruagens luxuosas com camas onde podemos pernoitar. Contudo, nem todos os percursos sobre conforto de hotel de cinco estrelas. É o caso do famoso comboio de ferro da Mauritânia que, embora tenha cenários igualmente incríveis, … Continued O conteúdo Os portugueses que atravessaram o Saara no comboio mais longo (e pesado) do mundo aparece primeiro em NiT.

Quando se fala em longas viagens de comboio, as primeiras imagens que nos vêm à cabeça são paisagens idílicas e carruagens luxuosas com camas onde podemos pernoitar. Contudo, nem todos os percursos sobre conforto de hotel de cinco estrelas. É o caso do famoso comboio de ferro da Mauritânia que, embora tenha cenários igualmente incríveis, não tem bancos nem janelas — e nem deveria ter passageiros, mas a tentação de viajar no comboio mais longo do mundo é difícil de resistir. Foi isso que motivou o casal Mariana Ricci (30 anos) e Flávio Marques (32 anos) a subirem a bordo do comboio da Mauritânia, entrando assim para a pequena lista de portugueses a realizar esta viagem.
Com o sonho de conhecerem a lista completa dos 193 países em quatro anos (Flávio já visitou 62 e Mariana 66), o casal tem procurado experiências diferentes em todos os locais que visitam. Já mergulharam com o tubarão-baleia nas Filipinas, nadaram com tubarões nas Maldivas, mergulharem no Blue Hole em Dahab (Egito) e, agora, a 19 de março, fizeram a travessia do deserto do Saara no comboio de ferro mais longo (e pesado) do mundo. Foram 700 quilómetros em pleno deserto do Saara em cima dos vagões de minério de ferro — e uma experiência que jamais esquecerão.
“É um comboio que não transporta passageiros, apenas minérios de ferro, e para viajantes que gostam de aventura é uma experiência única. É uma viagem que pouca gente faz e foi realmente diferente de tudo o que já fizemos”, conta à NiT Flávio Marques, também conhecido no Instagram como “Mochileiro pelo Mundo”. O comboio, que tem mais de dois quilómetros de comprimento e cerca de 250 carruagens, faz o trajeto entre as minas de Zouerat, no interior da Mauritânia, até à cidade portuária de Nouhabidou.
“É ilegal fazer a viagem de comboio, mas o governo e os militares fecham muitas vezes os olhos. Como é um país muito pobre, os locais não têm outra forma de se deslocar entre cidades para fazerem compras”, explica. Depois de sair das minas em Zouerat, o veículo só faz paragem na aldeia de Choum. Tanto os turistas como os locais têm entre cinco a 10 minutos para subir o mais rápido possível para as suas carruagens. Se não conseguirem, só voltarão a ter uma nova oportunidade no dia seguinte. “Não existe nenhuma estação e só há uma escadinha por fora para subirmos, mas tem de ser à pressa”, recorda.
Ainda antes de subirem a bordo, o casal viveu a primeira experiência da Mauritânia num restaurante da pequena aldeia de Choum, onde se resguardaram do frio que fazia na rua. A única luz era uma vela acesa, dividiram cinco copos por cerca de 12 pessoas e beberam mais de oito chás. “O leite de camelo era servido numa terrina de inox com cerca de um litro e passava por todos os clientes do restaurante. Também nos deram bolachas e tâmaras, mas no fim não aceitaram o nosso dinheiro como uma forma de dar as boas-vindas”, recorda Flávio.
Por volta das 21 horas, saíram do restaurante, andaram cerca de um quilómetro e chegaram à linha para apanhar o comboio. “Nesses cinco minutos só vimos o pessoal todo a correr e a subir o mais depressa possível”, conta. Entre os passageiros (que ainda eram bastantes) existia um único turista inglês, que estava a viajar de Inglaterra até ao Senegal. Os restantes eram locais com sacos de arroz, mandioca e óleo alimentar que iam vender nos mercados.
Por ser um comboio de carga, não avisa que vai parar ou que vai partir — e isso pode provocar alguns acidentes a bordo. “Há vários solavancos e há turistas que facilitam porque estão a tirar fotografias. As últimas carruagens, por exemplo, levam uma pancada muito forte, porque o comboio tem dois quilómetros de extensão, e já houve muitas pessoas a cair”.
Apesar de ser no deserto, fazia muito frio à noite naquela altura. O casal levou roupa quente, blusa térmica e óculos de neve para proteger do pólen do minério de ferro. Ainda tentaram dormir deitados na pilha de ferro, mas não foi fácil. “Não conseguimos dormir mais de 30 minutos, o minério de ferro onde estamos deitados fica muito frio, o vento provocado pela deslocação do comboio, juntamente com a areia do deserto e a poeira, tornam quase impossível conseguir dormir”, diz.
De meia em meia hora, tinham de retirar os óculos porque deixavam de ver. “Durante o curto período em que os retiramos para limpeza ficávamos os olhos completamente cheios de minério de ferro”, revela. Também levaram lenços para proteger a cara e, apesar de ter ajudado, não conseguiram evitar ficar com bastante poeira dentro dos ouvidos, nariz e boca.
As horas foram passando e o sol começou a aparecer no deserto. Assistir ao nascer do sol no Saara foi, para o casal, um dos melhores momentos de toda a viagem. Nesse momento, os locais começaram a rezar mesmo em cima do comboio. Por ser um país islâmico, fazem cinco rezas diárias, sendo que a primeira é feita, preferencialmente, antes do sol nascer.
A viagem dura cerca de 20 horas, podendo chegar a um dia inteiro caso existam imprevistos ou atrasos. A ferrovia com 700 quilómetros de extensão foi construída em 1963 para facilitar o transporte do minério extraído das minas para o porto. Embora não seja adequado para receber passageiros, há turistas que vão até à Mauritânia com o objetivo de subir a bordo do inédito comboio. “Estamos felizes pois entramos numa lista muito reduzida de portugueses que fizeram a tal viagem. Pelo que conseguimos saber, apenas sete portugueses a tinham feito, mas acreditamos que tenham existido mais”, diz Flávio.
Quanto ao país em questão, é ainda muito desconhecido e “viajar por lá não é fácil”, principalmente para quem gosta de viagens planeadas. Já para quem adora andar à deriva, sem planos e a aproveitar um dia de cada vez, assim como o casal português, pode ser uma boa experiência.
“O nosso conselho é ir com alguém que já conheça a Mauritânia e ir bem equipado para o frio do deserto. Tivemos temperaturas muito baixas e, com o vento, ainda se sente mais”, aconselha o viajante.
O casal conheceu-se em 2008 e o plano de conhecer todos os países do mundo surgiu quase sem darem por isso. Foram tendo cada vez mais curiosidade, principalmente por países menos visitados como é o caso de Lesoto ou Eswantini “que são sítios lindíssimos e com poucos turistas”. Agora, estão a tentar viajar todos os meses, com o objetivo de chegar aos 80 ou 90 países visitados até ao final do ano. Pode seguir as páginas de Instagram de Mariana e de Flavio para acompanhar todas as suas aventuras.
Se gostava de conhecer a Mauritânia ou até mesmo ver passar o comboio de minério de ferro, tem de apanhar um avião até Nouakchott, na Mauritânia. Se partir de Lisboa, encontra bilhetes de ida e volta desde 747€. Como não há voos diretos, terá de fazer escala em Marrocos. Para chegar à aldeia de Choum, a única hipótese é mesmo de carro.
De seguida, carregue na galeria para ver as fotografias do casal quando estiveram na Mauritânia.