Na Alemanha, os comboios a hidrogénio já estão a substituir o diesel
21/09/2022 07:00 - Público

Nova tecnologia dá os primeiros passos e especialistas prevêem que deverá substituir por completo os comboios a diesel.

Na Alemanha, os comboios a hidrogénio já estão a substituir o diesel

São apenas seis comboios a hidrogénio que circulam diariamente entre Cuxhaven e Buxtehude, uma linha regional de 130 quilómetros na Baixa Saxónia, até há pouco operada por 15 automotoras a diesel. Mas em breve esta frota obsoleta será inteiramente substituída por 14 comboios a hidrogénio, fornecidos pela multinacional Alstom e que são, de momento, os únicos no mundo em funcionamento comercial que usam esta tecnologia.

A substituição dos 15 comboios a diesel por 14 a hidrogénio permitirá uma poupança anual de 4400 toneladas de CO2, de acordo com Stefan Schrank responsável por este projecto da Alstom. Mas estes valores referem-se apenas à operação. Na origem, o hidrogénio obriga a uma produção dispendiosa e à emissão de gases com efeitos de estufa. Actualmente esta produção é feita com uma mistura de vários tipos de energia, mas Schrank diz que será possível produzir hidrogénio verde com fontes de energia cem por cento renováveis.

Enquanto os seus rivais, a Siemens, a Talgo, a CAF, a Stadler ainda estão a lançar protótipos de comboios a hidrogénio, a Alstom orgulha-se de mostrar que já vai mais à frente. E não esteve com meias medidas: aproveitou a Innotrans, a maior feira de comboios do mundo que se realiza em Berlim a cada dois anos, para convidar 40 jornalistas de 22 países para viajar no seu Conradia Lint a hidrogénio. Escolheu precisamente a composição que em 15 de Setembro realizou uma viagem de 1175 quilómetros (entre Bremervorde, no Mar do Norte, e Munique) sem qualquer abastecimento. Um tanque cheio bastou para a viagem.

Um tanque é também o suficiente para cada comboio destes realizar oito viagens diárias (quatro em cada sentido) entre Cuxhaven e Buxtehude em serviço regular e a uma velocidade que pode atingir os 180 km/h. Em breve haverá mais, pois os operadores ferroviários começam a confiar nesta tecnologia. Para já, a Alstom está a fabricar mais 27 comboios a hidrogénio para a região de Frankfurt. E tem um contrato assinado para fornecer seis (com opção de mais oito) para a região da Lombardia, em Itália.

A França será o terceiro país a utilizar comboios a hidrogénio e a comprá-los à Alstom. O cliente, neste caso, não é a SNCF (a operadora pública francesa), mas sim as regiões, que apostam na nova tecnologia para o serviço regional e encomendaram já 12 composições.

Um comboio a hidrogénio não é mais barato que uma composição a diesel. É até 20% mais caro, mas Stefan Schrank explica que os custos de operação e de manutenção são mais baratos, pelo que compensa comprar aquilo que designa por os comboios regionais do futuro. O engenheiro responsável por este projecto da Alstom diz que jamais o hidrogénio substituirá os comboios eléctricos, mas para linhas de baixa densidade não tem dúvidas que esta é a tecnologia mais adequada.

“A prova é que já deixou de haver encomendas para comprar comboios a diesel. Eles vão continuar mais umas décadas porque um comboio pode durar 30 anos e após uma revisão de meia vida pode durar ainda mais, mas os novos comboios para linhas não electrificadas serão a hidrogénio”, diz.

O departamento de Comunicação da Alstom gosta de dizer que a grande vantagem desta tecnologia é que ela evita o investimento na electrificação. “Actualmente 40% das linhas férreas na Europa não estão electrificadas [em Portugal essa percentagem é só de 30%, mas deveu-se ao encerramento de várias linhas] e o hidrogénio vai permitir que não se electrifiquem mais”, diz Brahim Soua, responsável pelos comboios regionais da Alstom. É, de facto, uma grande vantagem, mas beneficia mais os gestores da infra-estrutura do que os operadores.

Viajar num comboio a hidrogénio não difere muito de um comboio a diesel a não ser, talvez, um nível de ruído mais baixo. Quanto à condução, “é exactamente igual”, diz o maquinista Timo Carl, que conduz este Conradia Lint entre Potsdam Platz e a fábrica da Alstom em Hennigsdorf.

Este complexo industrial já foi da AEG e da Bombardier, mas agora é um símbolo da multinacional francesa em Berlim desde que esta comprou a gigante canadiana. Trabalham aqui 2200 pessoas, das quais 800 são engenheiros. Na linha de montagem estão a ser fabricados veículos para comboios e metros para toda a Europa. As instalações são um modelo de organização e limpeza (não se vê um pingo de óleo no chão) e nos escritórios há até mesas de matraquilhos e sala de ioga para os trabalhadores. As novas tecnologias, sempre presentes, incluem já realidade aumentada para testar a utilização de alguns componentes dentro das carruagens.

Tanta tecnologia não contempla, porém, a robotização no processo de fabrico. “A indústria ferroviária é diferente da indústria automóvel”, explica Pierric Gisquet, responsável de projecto da Alstom. Enquanto nos automóveis se fazem milhares de carros todos iguais, os comboios são produzidos em menor número e em séries diferentes, além de que grande parte do trabalho de assemblagem e montagem, realizado no interior das carruagens, tem forçosamente de ser feito com trabalho humano.