Desentendimento entre CP e Renfe leva ao cancelamento do Al Andalus
30/07/2022 05:58 - Público
O comboio Al Andalus já não vem a Portugal e a culpa é da CP e da Renfe, que não se entendem. A viagem de quatro dias e três noites ia levar os passageiros num passeio de luxo sobre carris entre Sevilha e o Porto.
O Al Andalus, um comboio turístico de luxo explorado pela Renfe, que deveria realizar uma viagem a Portugal nos dias 27 e 28 de Julho e 11 e 12 de Agosto, foi cancelado por falta de acordo entre a CP e a Renfe. A viagem, de quatro dias e três noites, tinha origem em Sevilha e términos no Porto e incluía visitas a Mérida e Lisboa, fazendo a rota inversa na segunda viagem prevista. Em Portugal, atravessaria a linha do Leste, parte da linha da Beira Baixa (entre Abrantes e o Entroncamento) e a linha do Norte.
José António Rodriguez Garcia, responsável pelos comboios turísticos da transportadora ferroviária espanhola, disse ao PÚBLICO que “a Renfe não conseguiu chegar a acordo com a CP e tiveram que ser canceladas todas as viagens de 2022”, adiantando que contam retomá-las em 2024.
Até lá, o Al Andalus continuará a fazer viagens apenas em território espanhol, tendo já esgotado todas as viagens previstas para este ano. Questionado sobre os motivos dessa falta de acordo, a Renfe não respondeu, tal como, aliás, a própria CP, que, questionada sobre este assunto, manteve silêncio.
O PÚBLICO apurou, porém, que a Renfe propôs uma parceria comercial à CP por forma a envolvê-la neste projecto, a qual foi analisada, mas não foi, nesta fase, aceite. A justificação parte do facto de que a actual administração da CP está em gestão desde Setembro de 2021, aguardando-se que a tutela confirme a nomeação do vice-presidente Pedro Moreira para as funções de presidente da empresa pública.
Tal não impediria, no entanto, que a Renfe prosseguisse com o seu projecto, tanto mais que este já esteve previsto para 2021, mas foi adiado por causa da pandemia. Bastava ter pedido à sua congénere o fornecimento de serviço de tracção, isto é, que nas linhas portuguesas o comboio fosse rebocado por locomotivas da CP.
A vinda do Al Andalus – um luxuoso palácio sobre rodas que é formado por uma composição com 14 veículos – implicava questões logísticas delicadas, tendo em conta sobretudo o tipo de clientela exclusiva deste serviço.
O comboio, cujas carruagens não estão certificadas para circular em Portugal, teriam de ser alvo de uma autorização dada pela Infraestruturas de Portugal (IP) dado tratar-se de um produto turístico, dispensando assim os normais procedimentos de homologação e certificação.
Ainda assim, seria necessário realizar ensaios de compatibilidade entre os veículos e a infra-estrutura, mas a IP disse que não tinha condições para os realizar. A Renfe ainda chegou a enviar o dossier técnico do material circulante no início de 2022, mas acabaria por desistir da viagem em Maio.
Reforço na linha do Leste adiado
Este cancelamento acontece na mesma altura em que a CP pretende realizar um segundo comboio diário entre o Entroncamento e Badajoz e se depara com impossibilidades técnicas por parte da Adif, entidade gestora espanhola de infra-estruturas ferroviárias. Isto apesar de a automotora da CP só entrar em território espanhol durante cinco quilómetros, entre a fronteira do Caia e a estação de Badajoz.
A transportadora pública pretendia lançar o novo serviço a 31 de Julho com o objectivo de encurtar o tempo de percurso entre Lisboa e Madrid em uma hora, permitindo também realizar a viagem com dois transbordos em vez de três. Uma solução que só se torna possível depois de ter sido inaugurado, em 19 de Julho, um troço de 150 quilómetros da futura linha de alta velocidade entre Madrid e Badajoz que encurtou a viagem entre estas duas cidades em 51 minutos.
Portugal e Espanha vivem actualmente o pior momento da sua história ferroviária desde 1881 quando os reis D. Luís I e D. Afonso XII inauguraram o caminho-de-ferro entre Lisboa e Madrid. Com o desaparecimento do comboio-hotel Lusitânia Expresso, que ligava diariamente as duas cidades (e era explorado conjuntamente pela CP e pela Renfe), e do Sud Expresso, que ligava também diariamente Lisboa a Hendaya (e que era um produto exclusivamente CP), as relações ferroviárias entre os dois países limitam-se hoje a duas automotoras diárias em cada sentido entre o Porto e Vigo e uma entre Entroncamento e Badajoz. Ambos os serviços são realizados com material diesel, obsoleto, pese, no caso da viagem galaico-minhota, a linha estar inteiramente electrificada.
Em 1985, um ano antes de Portugal e Espanha entrarem na CEE, havia cinco fronteiras ferroviárias abertas entre os dois países, por onde passavam, diariamente, 13 comboios nos dois sentidos. Hoje só duas funcionam e só há três relações transfronteiriças.
A Renfe já propôs à CP prolongar um serviço Talgo Madrid-Badajoz até Lisboa através da linha do Leste, mas esta última prefere reactivar o Sud Expresso e o Lusitânia Expresso. Os responsáveis das duas empresas, Pedro Moreira e Isaías Táboas, também ainda nunca reuniram.