Alta velocidade Madrid-Lisboa arranca com comboio a diesel
23/06/2022 15:15 - Público

Infra-estrutura nova permite encurtar a viagem em 51 minutos entre Madrid e Badajoz. Renfe propõe prolongar comboio diurno até Lisboa.

Alta velocidade Madrid-Lisboa arranca com comboio a diesel

Uma viagem de ensaio entre Plasencia e Badajoz, que levou esta quinta-feira a bordo a ministra do Transportes espanhola, Raquel Sánchez, serviu para apresentar aquilo que será o serviço de alta velocidade de Madrid para a Extremadura a partir de 19 de Julho. Um serviço que só é possível graças à inauguração de 150 quilómetros de via-férrea entre Plasencia e Badajoz, no que constitui o princípio do princípio da futura linha de alta velocidade Madrid-Lisboa.

Mas a viagem de quinta-feira acabou por pôr em evidência um projecto muito incipiente e inacabado. A nova infra-estrutura ainda nem está electrificada e o comboio mais rápido que a vai utilizar, apesar de ser um comboio de alta velocidade apto a circular a 250 km/h, não passará dos 180 km/hora traccionado a diesel. A viagem entre Badajoz e Madrid, que agora é de cinco horas, ganhará apenas 51 minutos.

Apesar de tudo, foi dia de festa na Extremadura, a única região de Espanha que não tem um único quilómetro de via-férrea electrificada e a mais castigada com serviços ferroviários lentos e de menor qualidade. Os estremenhos começaram por exigir ao poder central um “comboio de alta velocidade”, depois um “comboio de altas prestações” e, ultimamente, já só pediam um “comboio digno”.

Não é só em Portugal que os projectos ferroviários se atrasam. “O que vão fazer [esta quinta-feira] é vender fumo. A electrificação só chega no próximo ano, mas este comboio já leva 15 anos de atraso e temos a sensação que isto ainda vai atrasar mais. Se levaram tanto tempo para fazer este troço, quando for entre Madrid e Badajoz só os meus netos é que verão a inauguração”. Juan Carlos Lopez, da Plataforma Milena Bonita, era um dos manifestantes que aguardavam na Estação de Plasencia a chegada da ministra Raquel Sánchez, para protestar contra os atrasos e sublinhar que a Extremadura também precisa de boas ligações com Portugal, com a Andaluzia e com o Levante espanhol.

Junto ao comboio que recebia os convidados, o ambiente era de festa inaugural, apesar de se tratar apenas de uma viagem de ensaios. O Talgo S-730, que partiu pontualmente às 9h40, é o comboio de alta velocidade adequado para esta linha pois funciona a electricidade e a diesel, o que dá muito jeito pois só para o ano é que este troço terá catenária.

Além disso está apto a circular em bitola ibérica e europeia e suporta dois tipos de tensão eléctrica. Um comboio todo-o-terreno renovado para parecer novo em folha e cujas características o tornam apto a circular também em Portugal. Esta ideia consta, aliás, nos planos da Renfe que pretende o acordo da CP para que o comboio de Madrid a Badajoz prossiga para Lisboa, via Portalegre, Abrantes e Entroncamento. Pelo menos enquanto não for inaugurada a linha – actualmente em construção – entre Évora e Badajoz.

Isaías Táboas, presidente da Renfe, disse ao PÚBLICO que a sua empresa “está interessada em prolongar este serviço de Badajoz até Lisboa”. A Renfe propôs mesmo uma divisão de despesas e receitas (mas sobretudo de despesas porque o serviço será deficitário) no trajecto português.

Questionado sobre o facto de não haver uma ligação directa entre as duas capitais e se demorar 11 horas entre Lisboa e Madrid, Isaías Táboas foi sarcástico: “Nós conseguimos pôr Badajoz a quatro horas e meia de Madrid. Não sei como aparecem as outras seis horas e tal até Lisboa. Não conheço o lado português, mas se a infra-estrutura [portuguesa] melhorar como está a melhorar a parte espanhola, o tempo de viagem será mais curto.” As desculpas da ministra

No comboio de ensaios, com dezenas de jornalistas a bordo e uma extensa comitiva de políticos regionais e locais, assessores e técnicos da Renfe e da Adif (a empresa de infra-estruturas espanhola, congénere da IP), a carruagem-bar é, obviamente, a mais animada e o centro da vida social da composição. Quem viaja sentado nas restantes nove carruagens do Talgo S-730 nota que a viagem é algo monótona. A paisagem estremenha não é muito diversificada e a verdade e apesar dos 180 km/h, parece que se vai bem mais devagar.

Em Badajoz, onde o comboio chegou às 12h40, à tabela, fizeram-se os discursos da praxe. Guilhermo Vara, presidente da Junta da Extremadura, disse que depois de tantos anos, vai haver finalmente um serviço ferroviário muito melhor para Madrid. Mas evidenciou que o mais importante é que na nova infra-estrutura vão circular também comboios de mercadorias “que vão ligar-nos aos principais portos de toda a Península Ibérica” respondendo assim à aposta estratégica de reindustrialização desta região. Para a Extremadura, Sines será um importante activo para colocar a região no mapa ferroviário.

A ministra dos Transportes, Raquel Sánchez, começou por pedir desculpa aos estremenhos pelo atraso de décadas de promessas incumpridas por parte dos vários governos de Espanha. Basta pensar que os 437 quilómetros entre Madrid e Badajoz estão há 20 anos a ser construídos e que os 471 quilómetros do troço Madrid-Sevilha demoraram apenas três anos (esta linha foi inaugurada em 1992). Além de pedir desculpa, a ministra agradeceu ainda à sociedade civil que participou em manifestações e lutou por este comboio “digno”. Não é habitual uma governante agradecer a quem protesta, mas Sánchez disse que se tratava de “reivindicações justas”.

Para já, são 150 quilómetros de vias novas que vão servir para aproximar as principais cidades da região. A partir de 19 de Julho haverá um serviço diário por sentido entre Badajoz e Madrid com composições S-730 e, para chamar pessoas ao comboio, há à venda a partir desta sexta-feira no site da Renfe 30 mil bilhetes entre a Extremadura e Madrid, com preços promocionais desde os 18 euros para viagens até 10 de Dezembro.

À margem das festas, Raul Gonzalez Holgado, presidente do Juntos pela Extremadura, um pequeno partido regional, contava a sua história a quem o queria ouvir. Ele e os seus companheiros fizeram a viagem de Plasencia a Badajoz numa furgoneta que não ultrapassa os 100 km/hora. Partiram à mesma hora do comboio de alta velocidade, às 9h40. E chegaram meia hora mais cedo: “Se soubessem que tinha ganho assim a um comboio de alta velocidade tinha-me contratado para piloto!”, disse ironizando sobre uma composição que, para chegar a ser de alta velocidade, ainda tem de esperar por muito investimento na infra-estrutura.