Ataques entre candidatos ameaçam atrasar compra de 117 comboios pela CP
18/04/2022 06:56 - Público

Litigância entre os concorrentes pode chegar ao tribunal e atrasar a compra dos novos comboios. CAF quer a exclusão do concurso de quatro concorrentes e a Stadler quer a exclusão de todos.

Ataques entre candidatos ameaçam atrasar compra de 117 comboios pela CP

O relatório preliminar de qualificação de candidaturas, elaborado pelo júri para a compra de 117 comboios para a CP, detectou algumas irregularidades nas propostas, mas não excluiu nenhuma, tendo dado nova oportunidade às empresas para apresentarem documentos em falta.

Dos seis candidatos – Alstom, CAF, CRRC, Hitachi, Talgo/Siemens e Stadler – só esta última não padecia de qualquer irregularidade, o que levou a empresa suíça a considerar ilegal “a não exclusão imediata das candidaturas violadoras das regras legais e procedimentos aplicáveis”. Ou seja, todas as outras.

Não foi a única a propor a exclusão dos outros concorrentes. A CAF, que ainda mantém em tribunal um litígio com a CP relacionado com o último concurso de material circulante, propõe a exclusão da CRRC, Hitachi e Stadler.

Os chineses são os que estão mais debaixo de fogo das candidaturas dos espanhóis da CAF e dos suíços da Stadler. O relatório preliminar do júri exigiu à CRRC que evidenciasse experiência de fornecimentos, nos últimos seis anos, de automotoras projectadas de acordo com as ETI (Especificações Técnicas de Interoperabilidade) europeias, bem como a apresentação de um conjunto de documentos financeiros em falta. Mas a CAF e a Stadler argumentam que as explicações dadas pela CRRC são insuficientes e que aquela candidatura não cumpre os requisitos mínimos de capacidade técnica para poder ser admitida. A Stadler acrescenta ainda que os documentos apresentados pelo concorrente, com a tradução da língua chinesa para a portuguesa, não estão devidamente legalizados, o que também deverá ser considerado motivo de exclusão.

CAF e Stadler contestam também a candidatura da Hitachi. Os documentos do processo entregue na CP não foram objecto de assinatura electrónica, há procurações que não se encontram assinadas e documentos relativos à parte financeira que não se encontram traduzidos na totalidade. Motivos que, para estes candidatos, determinam a exclusão dos japoneses deste concurso.

Apesar de “aliada” da Stadler nas críticas às candidaturas chinesa e japonesa, a CAF atira-se também à candidata suíça pedindo igualmente ao júri a exclusão deste concorrente. O motivo: a Stadler demonstra a sua capacidade de cumprir as normas técnicas europeias através de um link numa página electrónica que não está em língua portuguesa, contrariando, na perspectiva dos espanhóis, as regras do concurso. Acresce que esse link não direcciona quem faz a pesquisa para os documentos em concreto que a Stadler queria mostrar, mas sim para um motor de busca.

E ficam por aqui as contestações da CAF. A Stadler, essa vai mais longe, e quer todos excluídos, menos ela própria.

Em relação ao agrupamento Siemens/Talgo releva que os documentos destes não contêm qualquer assinatura electrónica qualificada, uma formalidade que, à luz do Código dos Contratos Públicos, entendem ser suficiente para a exclusão do consórcio formado por alemães e espanhóis.

Mas já em relação à Alstom e à CAF, a Stadler, além de apontar aos franceses a ausência de um documento que só por si determinaria a exclusão do concurso, usa argumentos mais fortes para os dois rivais por ambos terem sido sancionados pelas autoridades espanholas devido à sua participação num cartel que tinha como objectivo distorcer a concorrência. Uma alegada falta de idoneidade que, segundo a Stadler, só por si, obrigaria a CP a excluir estas empresas do concurso.

O próprio relatório preliminar do júri pede à Alstom a demonstração de que, ao abrigo da lei espanhola, não existe nenhuma sanção ou qualquer outra medida administrativa ou judicial vigente que a proíba de participar em procedimentos de contratação pública. A multinacional francesa junta esses documentos a provar que não está sujeita a nenhuma proibição no momento actual, mas a Stadler alerta que a Alstom foi, efectivamente, sancionada pela autoridade da concorrência do país vizinho, mas que essa medida está suspensa ao abrigo de um programa de clemência, podendo ainda vir a produzir efeitos. E dispara: “outra solução não restará à entidade adjudicante [CP] do que proceder à exclusão do candidato”.

A CAF tem problemas acrescidos. E vêm plasmados no próprio relatório preliminar do júri, que refere um contencioso entre a CP e a CAF a propósito de um alegado incumprimento dos espanhóis na reparação de 48 bogies motores (rodados com tracção) de automotoras portuguesas. A transportadora pública constatou um elevado número de deficiências no trabalho realizado pela CAF em Espanha e denunciou o contrato no passado dia 24 de Fevereiro.

Colocou-se, pois, a questão sobre se uma empresa que falha no torneamento de rodados terá capacidade técnica para vir a fornecer 117 comboios à CP. A CAF responde que não existe fundamento legal para se proceder à sua exclusão, pois uma coisa é o contrato então realizado com a EMEF (hoje integrada na CP) e outra é o concurso em vigor. Mais: à data, o contrato com a EMEF era um contrato de direito privado e não um procedimento de contratação pública. Por isso, a CAF diz que a resolução do contrato dos bogies não invalida outra realidade que é a sua “performance na execução de múltiplos contratos de fornecimento de material circulante”: 39 contratos públicos, nos últimos quatro anos, no valor de cinco mil milhões de euros em 12 países europeus, sem qualquer resolução contratual por incumprimento, sem qualquer pagamento de compensações por incumprimento e sem qualquer sanção.

A empresa basca admite, no entanto, as falhas na reparação dos bogies, mas explica que, uma vez detectadas, tomou imediatamente medidas, que passaram, entre outras, pelo despedimento de um trabalhador (técnico de qualidade) afecto a essa operação. Por isso, em comunicação já enviada à CP, diz que não concorda com os fundamentos da decisão da empresa e opõe-se à denúncia do contrato.

A CAF e a CP mantêm ainda em tribunal um contencioso relacionado com o último concurso para a compra de 22 automotoras para serviço regional, que foi ganho pela Stadler. A empresa basca impugnou a decisão alegando que a Stadler, que apresentou a proposta mais barata, não cumpria o caderno de encargos. Esta impugnação atrasou a compra dos comboios durante um ano até que o tribunal decidiu levantar o efeito suspensivo do processo concursal para que este avançasse. Contudo, não há ainda sentença no âmbito do processo judicial.